ELOGIO A MINHA LOUCURA

“A loucura só existe em cada homem, porque é o homem que a constitui no apego que ele demonstra por si mesmo e através das ilusões com que se alimenta.”

Foucault, Michel

Nas poucas ocasiões em que decidi refletir um pouco apenas me distanciei da minha própria loucura.

Para mim, a loucura é algo positivo, desde que não seja uma constante.

Todas as vezes que propus algo diferente do que se esperava, sempre que ousei arriscar e experimentar algo bem novo recebi esse elogio: que loucura!

É, parece título de livro clássico, Elogio à Loucura.

Quando componho um poema, por exemplo, preciso abstrair e não refletir.

Arriscaria dizer, de forma simples, que enlouqueço por alguns momentos: porque é preciso assumir algum distanciamento, desconsiderar regras, romper com minhas próprias crenças, se eu de fato quiser dizer algo que não diga respeito apenas a mim mesma, que não se limite as minhas experiências.

Abstraio para existir de forma mais ampla, para me integrar aos outros.

Vou de encontro ao que não posso alcançar, sigo os instintos, me transformo e assumo dizer o que não ousaria fora do texto... Essa metamorfose, ao contrário daquela dupla de compositores de rock brasileiro, sem a ajuda de qualquer alucinógeno.

Claro, não sou uma escritora famosa e nem me considero uma escritora. Sinto prazer em escrever, ler o texto para uma ou duas pessoas: uma querida e outra nem tanto. Assim temos equilíbrio. Um comentário positivo e estimulante e outro negativo (que para mim é estímulo da mesma forma). Pronto, estabelecido o balanço, rompemos com a loucura e voltamos à normalidade.

O que é normal? O ordinário talvez.

Nada contra a normalidade. O que me incomoda na normalidade é a repetição. E o ordinário também.

Tenho dificuldade em atuar nas cenas repetidas indefinidamente. É como se eu não mais existisse em momentos assim. Cenas repetidas convidam a atuar.

Recuso-me a me acomodar – não me preocupo se meu corpo assume formato gordo ou magro: mas que não tenha formato de cadeira.

Aceito todos os convites para o que é novo.

Deixo-me seduzir, queimar até as cinzas se o que grita é intenso – paixão!

Amo o amor. Amo a vida. As pessoas. As coisas. Os bichos. O ar. O amor (repito, repito, repito!).

O amor é a única repetição aceitável – é ritmo a pulsar o coração, a inflar os pulmões.

Veja como o coração vazio desacelera, induz ao fim.

Veja como os brônquios se fecham por falta de amor.

Então, se me amam, façam como eu: respeitem-me assim: só posso ser feliz se respeitar minhas características.

Sou ordinária e feliz. Os outros rótulos, nem me lembro.

Vez ou outra cometo essas loucuras – inofensivas, já que são viagens em busca de novidade, material de decoração para a festa que é minha vida.

Sou independente? Mas dependo de você!

Moro só, mas não posso e não desejo viver só.

Escrevo sobre perdas e vitórias, mas não sou a única a protagonizar minhas histórias.

Se tenho um conto onde me serviram purê de morangos com creme de espinafre, não significa que eu tenha experimentado tal iguaria (talvez um amigo meu o tenha feito ). Se a moça do texto traiu o namorado, não precisa pensar que fui eu. Talvez eu tenha sido a vítima daquela traição e obtido todo o know how a partir daí ou a partir da tua história mesmo, que loucura a minha (e a sua)!

Hoje a gente pode errar, acertar, empregar a razão pra melhorar a estratégia. Caprichar na emoção pra não ficar doente de coração.

Amanhã, eu não sei.

Nem os dias se repetem e para sempre é ilusão.

Claudete Melo.

Claudete Mello
Enviado por Claudete Mello em 17/10/2010
Reeditado em 28/08/2014
Código do texto: T2561521
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