VIA LÁCTEA
Uma jóia luminosa e translúcida, acomodada em cetim e transparências ali se imobilizara para sempre pela mão e pela alma daquele que a tivera em doce entrega, por tardes iluminadas e noites mágicas. Exposta à luz que ela própria refletia, em sua alvura e delicadeza de pele e formas, assim permanece agora para sempre, enquanto seu corpo real envelheceu, se transformou e enfim sumiu nos confins dos mistérios da vida e da morte. Como borboleta alfinetada por colecionador, resta de si apenas o vislumbre de um esplendor, malgrada toda a arte de quem tentou preservar no reflexo, o que é transitório e inexoravelmente acaba. Entretanto, ao mover os pincéis e espalhar as tintas, o pintor cristaliza, então, mais do que uma figura humana.
Perpetua na mulher retratada, a sua emoção e a sua própria alma, da
mesma forma que o escritor recria
as próprias palavras, nas entrelinhas, e que a música nascida do toque de um violinista inspirado se expande para muito além das fronteiras da limitada realidade de nossos ouvidos.
Via Láctea, leite derramado e estremecido em vagos temores, suores, anseios de artista.
Em uma estranha e misteriosa faina de corpo, sensibilidade e inquietude de poeta, a mão deu forma ao próprio anseio.