PAINEL DO TEMPO

PAINEL DO TEMPO

Infância:

Pés descalços pelas ruas,

Desenhos de carvão nas calçadas,

O ingazeiro florido perfuma a terra

Onde o sangue se derrama abundante.

A fome espreita na esquina

E nos quintais das casas ricas

O lixo produz heróis de quadrinhos.

Hora de brincar

Correr

Saltar

Morcegar caminhão

De noite lavar os pés

Sonhar com a volta do pai

Pela manhã aprender a ler

De olhos na menina de olhos negros

A casa de taipa estreme com medo da chuva

Enquanto as barreiras pedem capim

Para resistirem às enxurradas

Fantasmas rondam por trás das bananeiras

E um rumor de soldados armados avança

Do fundo de um caderno riscado.

Nas paredes tremulam sombras nervosas

A espera de um bêbado ou um aviso de morte

Pés descalços pelas ruas

Mãos que seguram balaios

Vai querer frete madame?

Tomate com farinha, a fome pede licença,

O osso o lixo a feira rendem dinheiro,

A matinê está garantida.

Mamãe quando papai volta?

Deus é quem sabe, já disse

―Deus é bom

―Deus é ruim

Deus não existe?

Cala a boca menino!

Deus te castiga!

Melhor pensar no filme

Pra não pensar nos mortos

Que teimam em vir conversar

Nas noites sem lua.

Infância de pés no chão

Cabeça ao vento

No topo do ingazeiro

Cercado de colibris

Mas intensamente feliz, feliz, feliz.

henrique ponttopidan
Enviado por henrique ponttopidan em 24/09/2010
Reeditado em 23/08/2011
Código do texto: T2518868