PAINEL DO TEMPO
PAINEL DO TEMPO
Infância:
Pés descalços pelas ruas,
Desenhos de carvão nas calçadas,
O ingazeiro florido perfuma a terra
Onde o sangue se derrama abundante.
A fome espreita na esquina
E nos quintais das casas ricas
O lixo produz heróis de quadrinhos.
Hora de brincar
Correr
Saltar
Morcegar caminhão
De noite lavar os pés
Sonhar com a volta do pai
Pela manhã aprender a ler
De olhos na menina de olhos negros
A casa de taipa estreme com medo da chuva
Enquanto as barreiras pedem capim
Para resistirem às enxurradas
Fantasmas rondam por trás das bananeiras
E um rumor de soldados armados avança
Do fundo de um caderno riscado.
Nas paredes tremulam sombras nervosas
A espera de um bêbado ou um aviso de morte
Pés descalços pelas ruas
Mãos que seguram balaios
Vai querer frete madame?
Tomate com farinha, a fome pede licença,
O osso o lixo a feira rendem dinheiro,
A matinê está garantida.
Mamãe quando papai volta?
Deus é quem sabe, já disse
―Deus é bom
―Deus é ruim
Deus não existe?
Cala a boca menino!
Deus te castiga!
Melhor pensar no filme
Pra não pensar nos mortos
Que teimam em vir conversar
Nas noites sem lua.
Infância de pés no chão
Cabeça ao vento
No topo do ingazeiro
Cercado de colibris
Mas intensamente feliz, feliz, feliz.