[O Muro: Por quê?]
O Muro — o muro por quê?
É assim — ou quase assim:
ontem, caiado de branco,
chapiscado com pedriscos para ralar joelhos;
hoje, pichado de signos dos fins dos tempos,
os traços de almas no escuro, apodrecidas de vazio;
inutilmente alto aos olhos cúpidos,
pois nunca impediu os assaltos;
tétrico, em especial na lua cheia,
ao separar mortos de vivos;
orgulhoso, ao separar o quintal da mansão
da rota dos cães sarnentos que nele mijam;
instituidor de cansaços, pois, às vezes,
estende-se ao longo de ladeiras de doer as pernas;
o muro surdo, orgulho de uma ideologia,
para minha alegria, uma impossibilidade nos trópicos;
o muro, um empecilho para a atividade
formigueira dos pequenos ladrões — coitados!;
o muro, um questão de ponto de vista,
obstáculo, ou estímulo de superação;
o muro — nada... agruras da rua da infância,
perdição, perdido blues, perdido tango...
... e perdido eu, que lanço discurso inútil
contra muros de moucos ouvidos...
[Eu sou rude mesmo, sou a humilde
argola terceira do longo chicote de couro cru...]
[Penas do Desterro, 21 de setembro de 2010]