Aquele Blues

Fim de tarde. Como sempre, o Café lotado. Cada um na sua. Ela chega, procura um canto sossegado. Precisa pensar, precisa calar, precisa sonhar... precisa se  encontrar. Da vida, sabe apenas que pulou alguns capítulos e que não terá direito à reprise. Adiou planos e decisões, calou diante dos insultos, correu da hipocrisia... Ancorou num porto qualquer e adormeceu ao som do primeiro blues.

Ele chega. Café lotado. Cada um na sua. Em cada canto uma alma solitária ouve o som do próprio silêncio. Ele quer parceria, companhia, um pouco de barulho, precisa falar, precisa acordar. Da vida, sabe apenas que viveu com tanta pressa, que nem terá direito à reviver as emoções passadas. Tomou muitas decisões, agiu precipitadamente, falou demais, ouviu de menos, foi intolerante diante da própria inocência, escondeu-se de si mesmo, aportou em muitos portos nem sempre tão seguros... estava com tanta pressa que nem percebeu quando lhe ofertaram o primeiro blues.

Fim de tarde. Café superlotado. Não tem jeito. Acomodam-se frente à frente e tão fechados em si estavam que nem se deram conta que ao fundo rolava aquele blues. Ela busca concentração. Ele só quer dispersão. Ela quer um barco, ele busca um porto. Ela quer emoção, ele quer mais é perder a razão. Ele procura, ela foge. Ele corre, ela se esconde... De repente... a música toca. Ela perde o prumo. Ele encontra o rumo. O som que ele perdera em nome da pressa era o mesmo que ela perdera enquanto dormia p'ra vida. 

Um olhar cúmplice e um sorriso arteiro. Fim de noite. Café vazio. Mas quem se importa? Num sussurro, a vida lhes diz que ao som  daquele blues... ainda há tempo de Ser Feliz.






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