FALANDO POR DENTRO - EGO E SUPEREGO

 

 

Não me queixo. Nem me deixo perder pelas avenidas escuras da vida, buscando-me no limbo das ilusões falsificadas da sociedade de consumo. Sigo rumo próprio definido entre o que sou e o que gostaria de ser, sem me perder diante do desconhecido. Percorro cada minuto sem muito alarde. O afeto de viver é o grande grito que me arde na atmosfera que amedronta os fracos.

Desse afeto que busco, a avenida está vazia dele. Em cada quintal, há sintomas de amores soltos em busca fantasias apimentadas para suprirem a rotina dos que se acostumam uns com os outros como se amor fosse.
Adiante está o rumo certo dos que se perdem no tear do dia e da noite. Compartilhar a luz com a escuridão talvez seja o mito da felicidade. Nesse interstício entre o ser e o não ser, entre o certo e o errado, entre a luz e o dia, vigia a carência do gesto romântico que nem sempre as noites cálidas acalentam.

Há encruzilhadas pelos recantos dos mais altivos saberes. No saber da vida não há lição definida, nem mesmo cartilha de conselhos que se possa seguir com certa brevidade. Nessa pressa consentida de a tudo ser e em tudo estar, parece que nos portamos feito um ser em cima do muro. Ao primeiro vento de agosto poderemos sucumbir nos aziagos presságios ou mesmo esperar as flores que setembro brota para nossa esperança.
Da angústia humana se encalacra a certeza de que é preciso pressa para viver, mesmo conhecendo que a pressa nem sempre é amiga da perfeição. Esta, indelével na consubstanciação do tempo, nos mostra Deus como se fossemos ateus. Há "teu" é há "meu" em nossa carreira de construção do afeto. Para irmos adiante sempre temos que nos renovar, voltar, retroceder, avançar mesmo sabendo que na frente só o desconhecido nos espera.

Há em cada caminho algumas pegadas dos caminheiros que se foram em nossa frente. Corremos o risco de chegarmos lá e não encontrá-los, pois o destino de cada um não se reflete no espelho, como no retrovisor do carro que a gente vê quem nos segue. A caminhada da vida é mistério e por isto é buliçosa, bela, fascinante. Cada um deve ter consciência de que o indefinido é quem nutre o futuro; que a cada manhã poderemos nascer de novo para sermos a mesma pessoa; que a cada hora vaga das nossas manhãs, nossas manhas poderão adormecer nos braços de um pierrô ou de uma colombina, mesmo que não seja carnaval. Nossa vida sendo festa será um eterno carnaval - presságio de que haverá sempre a quarta-feira de cinzas pra nos jogar no espelho da realidade nem sempre doce. "Ah se eu fosse você eu voltava pra mim"... Assim eu me revelava pela perda do amor que na avenida não encontro mais. Meus ais, sim. Cumprimento-os todos com ironia, pois da vida se não sofro mais, resta-me pouca alegria - misto de força, coragem, fantasia. Conjunto de sentimentos que carrego a tiracolo pela necessidade de driblar o tempo que já faz festa no meu rosto. Isto posto, aposto na vida pela apropriação indébita que o atrevimento de ser feliz deixa.

Nesse contexto, interfiro no viver com liberdade sem que aos outros meus ouvidos escute. A música do amor ambulante não desafina com as opiniões dos tolos que se prendem às regras sociais pensando que salvarão a vida. Quem salva a vida é a coragem e a determinação para viver e morrer em cada dia se necessário for, em nome da fidelidade que cada um deve ter pra si mesmo.