[Fotografia: As Águas Servidas]
Do topo da suave colina, eu a vejo...
Na rua de um antigo sanatório de tuberculosos,
a manhã de chumbo irrompe da noite.
A comprida língua de água servida cinzenta, viscosa,
estende-se na sarjeta até o suave aclive da rua.
Sou ausente do mundo, e passo devagar —
os meus pés, as minhas mãos é que dirigem
este carro rua abaixo, enquanto os meus olhos
se demoram na suja língua de água servida.
Sigo em frente; paro no farol, e penso:
quantas línguas se serviram desta água,
ou, por que mãos sujas terá passado...
Qual é a história desta água servida do cotidiano?
Ainda pouco, atendeu necessidades,
irrigou, lavou, enxaguou, limpou.
Agora pútrida, jaz na sarjeta a sumir-se...
Que semelhança atroz é essa que eu vejo?!
[Penas do Desterro, 17 de setembro de 2010]