DOS GRÃOS DO ALFABETO
(Memoriais de Sofia/Zocha)
Vejo-a agachada afofando a terra. O regador ao lado ou o balde, o esterco bem misturado, vejo-a regando todas as tardes, incansáveis canteiros naqueles quintais, vejo as sílabas apontarem do chão, sob o retângulo dos canteiros e milhares de mudinhas verdinhas buscarem a quentura do sol, vejo-a transladando as mudas, acompanho os versos comporem-se e o mistério acontecer à mesa de tábuas escovada a pedra.Então, miro aquele quadro de fundo de papelão daquela santa ceia dependurada na tosca parede de madeira que ainda não sabia quem a pintara tanto quanto ela também, o desconhecia mas, sei que ao centro existe um ponto magnético donde emana o calor e que ele pode estar à mesa do amor agora quando ela cortar o pão quente que acabou de desenfornar. Espelho-me no chão lustrado, o vassourão corre como uma gangorra caleidoscópica e meus olhos correm juntos, inesquecível aquele solo de ternura que me aquece e que guardam os grãos da palavra. Verso a verso estiro o verbo que cai em contas das gotas dos meus olhos e borra minha ternura, lembro daquela janela imensa do meu quarto, que se abria às sementes que agora brilhavam no céu e esses pontos me reescavam os grãos do alfabeto da vida, que ela conhecia e semeava sem saber ler nem escrever - mas sabia daquele livro e nos ensinava daquele manuscrito (de sementes) e que meu olhos respingam do tinteiro ao tentar ler e borram as minhas páginas do agora e preciso de mata-borrão...
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