Rascunho de uma vida
Ninguém me pensa, nem sente meu peso... As mãos se entrelaçam pousadas sobre as pernas quietas, a penumbra toma conta da fantasia e bloqueia os tempos felizes, que nunca chegaram, que não mais chegarão. Longe de ter uma auto-imagem satisfatória, entrego-me ao silêncio de uma vida perdida, não-vivida, insípida e monótona. Nenhum tipo de prazer pode me ser dado por quem quer que seja. Eu mesmo destruo as possibilidades mais simles do amor. Acho que amo demais. Acho que sonho demais. Uma cópia mal feita de mim age como se fosse eu, mas é muito mais real para o outro do que eu mesmo jamais poderia ser. Essa cópia é o eu-do-outro que o eu-mesmo recusa a cada instante. Não penso, não falo, não existo: Só devenho. Onde eu estava quando deveria estar trabalhando, estudando, cantando, conversando? Onde eu estava naqueles momentos certos, quando poderia ter agido? Em lugar nenhum estava aquela alma, aquele ânimo, aquela calma. Em momento algum dançava. Um protozoário seria mais animado.
Guardo este nada como sendo o que de mais precioso tenho a oferecer. Se eu fosse parte do nada... Seria, ao menos, menos que nada. Desconheço-me e desfaleço.
Sentado nesta cama, sem conseguir dormir, sem acender a luz, sem respirar, encontro um pouco do que ainda resta de mim. Um pouco de nada poderia consolar-me. O resto do nada poderia vir a salvar-me. Onde ficaram os amigos, a família, os dias felizes? Não sei em que ponto perdi o fio condutor. Estou preso aqui, sem esperanças de encontrar um minotauro, contemplando as penas queimadas de Ícaro.
Preso em meus pensamentos, recolho-me ao deserto emotivo, sem motivos, sem temas, sem lágrimas, sem lenços, sem dores e sem alma.