[A Pedra Atrás da Porta]

[Escrevo por que os meus projetos não terminam. Escrevo por saber que, nestes dias vertiginosos, ninguém é nada — todos se reinauguram! E nada excede o ato de escrever na capacidade de propiciar recomeços... recomeços que sempre dão em nada; dar em quê, afinal? Sim, dar em quê? Escrevo por que tenho esta porta aqui, sempre escorada aberta, por uma certa pedra invisível... como se diz... virtual! Escrevo, enfim, por que tenho memória... e por que eu recomeço!]

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Quem vinha do terreiro para ganhar a casa pelos degraus da escada rústica, já a divisava desde alguns metros. Lá estava ela, a pedra de segurar a porta. Dava certo destaque àquela estreita [teria uns 20 cm...] banda da porta surrada dos anos, por fora, pelas águas das chuvas, e por dentro, pelas águas das frequentes lavações das tábuas do piso de assoalho.

Naquele tempo em que os anos ainda não tinham sido acelerados, como se atirados em rápidas e angustiosas corredeiras de um rio de montanha, a porta era aberta logo ao amanhecer, logo ao firmar-se o primeiro clarão do dia. Da cama, a gente já sentia o perfume suave das roseiras mesclando-se ao aroma do café recém-coado.

Eu vinha do quarto sem atentar para a responsável pela magia do instante, a pedra de segurar a porta. Era então, a pedra de trazer o dia, trazer as alegrias, os sons, os gritos das maritacas, os perfumes das flores, alguma poeira da vasta avenida sim, mas que importava se havia o prazer de limpar a casa simples? A pedra segurava a porta aberta “mode o vento”... e assim, sem aparecer, a pedra tornava nítida, bem nítida, toda a fenomenologia a da vida — instantes que nunca esqueci, e os recordo, vivamente, aqui, no agora que já se perde...

À noite, aquela pedra tinha o destino da reclusão. Logo após os cansaços do dia longo, o banho na grande bacia, a ave-maria plangente no velho rádio "pioneer", e o prato fumegante de sopa de macarrão picado, com batatas, folhas de couve rasgadas miudinhas, e pedacinhos de músculo bovino [a carne da pobreza comer!] — a porta, tangida (sim, tangida!) pelas afetuosas mãos de minha mãe, rangia e se fechava para o escurão da noite lá fora.

A pedra da escora era então sem préstimo, e era como que posta a dormir, atrás da porta — agora, era só a pedra da noite, a pedra de segurar a noite lá fora — isso é serventia? Até hoje não sei. Ficava para o janelão de madeira da cozinha a missão de nos descortinar o céu, as estrelas, a lua. Cá dentro, na sala do chalé amarelo, só mesmo o bulbo brilhante da luz 220V da Cia Prada de Eletricidade, com usina geradora no riacho Pissarrão — em Araguari-MG — é claro!

Tem razão o meu conterrâneo: há sempre uma pedra, uma certa pedra, assim, amorfa, mas prestimosa, no caminho da gente. Nem sempre um entrave, como parecia ser aquela pedra no meio do caminho dele, do poeta! Será que ele a viu como entrave? Será?

Num sonho, ele veio, falou comigo de Carlos Grande para carlos pequeno; eu até perguntei da tal pedra, mas ele nada me disse... disse nada, pois, de pedra e caminho, ele já havia dito tudo (e quem é que diz tudo...) no seu poema.

[Penas do Desterro, 12 de setembro de 2010]

Carlos Rodolfo Stopa
Enviado por Carlos Rodolfo Stopa em 12/09/2010
Reeditado em 10/04/2012
Código do texto: T2493300
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