O pomar
A vida é uma maçã podre que ainda mantém na casca o rubro matiz da saúde e, quando é mordida, espalha toda sua amargura pela boca faminta.
A boca procura ao redor da fruta algum pedacinho com que possa satisfazer sua fome e, assim, vão todas as outras bocas contentando-se com pequenos pedaços de maçã, fragmentos de felicidade que não enchem a barriga, mas não as deixam morrer de fome.
E as bocas acostumaram-se a podridão; acostuma-se a tudo. Transformaram-se, como numa mutação evolutiva, em vermes, e sentem-se felizes por viverem agora no centro putrefeito da fruta. Felizes e sem fome, vão roendo,fazendo túneis sem romper a casca vermelha, a fina cortina que disfarça a podridão com beleza, para que os que ainda não se transformaram em vermes, aqueles que ainda são bocas, sejam atraídos e, no final, todos vermes, possam com seus sorrisos amarelos rir juntos dessa felicidade tão autêntica.
Assim, o pomar transformou-se num mar de felicidade, e cada ilha frondosa e perfumada contém apenas sorrisos largos e barrigas cheias, e cada verme acha que a sua árvore contém as mais saborosas maçãs.
Entretanto, num canto do pomar, lá no alto de um esguio galho qualquer, ainda resiste uma maçã jovem e tenra, que espera que bocas venham saboreá-la, mas já não existe fome, pois todos estão bem nutridos dentro de suas próprias maçãs famigeradas, e as bocas já não reconhecem o gosto fresco da fruta sadia. A verdadeira felicidade madura, que espera, vai tornando-se velha e esquecida, apodrecendo de angústia, fazendo-se amarga.
A gravidade incide mais pesadamente sobre ela e, não de repente, desprende-se do galho, espatifando-se no chão.
É, então, encontrada por alguma boca faminta que rói as migalhas que ainda restam e pensa ter encontrado a felicidade suprema! Uma maçã parcialmente comestível, uma felicidade parcialmente completa tornou-se o ápice, por falta de paladar ou por falta de pomares.