DESAGRADO

Nada me desagrada mais do que o artífice da palavra
Nada me causa mais asco do que o artesão do verbo
Toda palavra é bem mais pobre do que tudo isso
Isso de achar que é a palavra que fez e faz o Universo
As palavras não são meros enfeites de minha consciência
Nem são armas de defesa do meu suposto temperamento
E nenhuma palavra é porta-voz dos meus desejos
Nem ousam ser a vitrine de meus sentimentos
Quando muito, as palavras somente relatam
Ou, quando menos, elas somente delatam
Deixam escapar muito pouco dessa intuição
Sobre a beleza do que nem é tão belo assim
Ou sobre a rara beleza que se sobressai ao horror
Nada me decepciona mais do que os donos das palavras
Aqueles que nem imaginam o quanto elas são selvagens
E querem de vez domestica-las a todo e qualquer custo
Ou encerra-las numa gaiola tão ricamente adornada
Nada me irrita mais do que não se compreender
Que a palavra não se presta a nada que se queira
É um vendaval desses que varre violentamente a colina
É represa que de repente se arrebenta
Para inundar e destruir a paz de todo o silêncio
Nada me enfurece mais do que se utilizar da palavra
Para contornar e fugir desse imenso e terrível dilema
De que a vida e a morte não são somente palavras
E que toda palavra é de todos o menor problema
Marcos Lizardo
Enviado por Marcos Lizardo em 09/09/2010
Reeditado em 02/08/2021
Código do texto: T2488780
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