CABELOS NEGROS
 
Denise,
 
Hoje, eu quero ser transformado em vento suave e tépido, maroto e traquino, para fortuitamente quando menos perceberes, brincar levianamente com os teus cabelos encaracolados. É verdade que saberás que sou eu, pois farei com que sintas o meu perfume silvestre trazido das imensas campinas. Percorrerei todo o teu corpo, fazendo com que tenhas verdadeiros arrepios, e assim, eu roubarei o teu perfume íntimo, para levar comigo até as mais altas montanhas.
Noutro dia virei quietinho como um vento matreiro, para escutar os teus mais íntimos segredos, e saber se ainda falas de mim com amor e desejos escondidos. E, bem de mansinho, eu fugirei pelo jardim defronte à tua casa. Ficarei escondido entre as árvores e as estátuas frias, pois nessa tocaia, eu te espiarei quando passares linda, lépida, solta e graciosa, esparramando o teu perfume pelo ar.
Cabelos negros, desse jeito tu ainda vai-me matar. Mas antes que isso aconteça, eu devo pousar suavemente os meus lábios nos teus, que mais se parecem ondas de carne quente e lúbrica. Quando tu passas por um belo e certo jardim, é agradabilíssimo te observar, pois a natureza e os meus olhos te envolvem de luz e de um verde espetacular. Como ninfa tu passas com a leveza de bela flor, e eu, um pobre narciso às avessas, te contemplo com os espelhos dos meus olhos transbordantes de inexplicável afeição.