I

Bastaria uma palavra apenas
Para desfazer a névoa do silêncio
Para terminarem as distâncias
Para preencher o vazio das horas
E amenizar o peso desses dias
Bastaria uma palavra que não encontro
Perdida nas lembranças angustiantes
De todas as palavras que desperdiçamos
Uma palavra contra o mal entendido
Uma palavra que refizesse plenamente
Todas as cores daqueles instantes
E que fizesse renascer as emoções
De nossos passos tão hesitantes
Uma palavra para guardar, lembrar
Para eternizar ao menos os olhares
E que nos fizesse mútuo pertencimento
Uma palavra que nos calasse os medos
Que apagasse dúvidas e incertezas
E que nos renovasse aquela beleza
Que esquecemos por aí pelos cantos
Que nos aliviasse dessa tristeza
E que nos aplacasse esses prantos
Uma palavra apenas, uma palavra
Que devoramos em esquecimentos
Que fosse Sol, Lua, Luz, Estrelas e Árvore
Céu e Nuvem, que fosse Mar, Tarde e Noite
Que fosse um novo Amanhecer
De nossos dormidos sentimentos


II

Bastaria uma palavra apenas
Palavra que não mais encontro
E nem se encontra na esvaída lembrança
Um banco ou um caminho dum parque
Um papel de presente que se desembrulha
Riscada numa carta, ou num bilhete
Dita ao pé do ouvido na hora do amor
Ou sentida na quietude dos corpos
Que se tocam, que se trocam
Que se reencontram tanto
Mesmo na Distância ou na Saudade
Uma palavra que nos despertasse
Dos infernos de todos os pesadelos
Uma palavra apenas que ficasse
A falar por nós pelos cotovelos
Que jorrasse com essas lágrimas
Que explodisse ofegante no prazer
Uma palavra, talvez, que nos calasse
Os maus pensamentos, as mágoas
E todos os desentendimentos
Mas não! A palavra nos falta
Que nunca nos faltasse e ficasse
Absurdamente a dizer tudo por nós
Tudo o que não sabemos mais dizer
Que ficasse eternamente suspensa
Como uma ponte a unir os dois lados
Do imenso abismo que fizemos
Quando nos fizemos Solidão
E silêncio...


III

Uma palavra apenas bastaria
Solta no vento que nos arrasta
Perdida no meio de tanta poesia
Atada a essa dor que devasta
E arrasa essas pobres vontades
Uma palavra resgatada dum sonho
De uma jura de amor qualquer
Uma palavra que nos lembrasse
Que longe somos só deserto
E ermos somos só metade
Que apagasse essa ferida acesa
E nos reacendesse a vontade
Que nos pusesse de novo à mesa
Que nos mantivesse na cama
Que banisse da vida essa tristeza
Uma palavra que não cala e te chama
Do fundo do silêncio da madrugada
Bastaria que um de nós ouvisse
Essa palavra já tão desperdiçada
E do nada lembrasse que já se disse
A palavra que veio e voltou do nada
Uma palavra que nos sentisse
E que dissesse tudo mesmo calada
Bastaria essa palavra tão procurada
Que não encontro mais aqui dentro
Por que de nós foi arrancada
E que para nós não diz mais nada


IV

Bastaria uma palavra apenas
Que não te peço e nem me pedes
E que se perde, se perde, se perde...
Uma palavra que explicasse
A fome, a sede, o desejo
A solidão, a tristeza, a saudade
Terá sido dita, sem sentido...
Terá sido escrita e não mais lida
Terá sido esquecida...
Palavra que não te nego
E que se não me negas
Mata-a aos poucos e de repente
Uma palavra que só diz o que diz
Quando o que diz é só para a gente
E eu me derramo em palavras
E em tudo que faço me desfaço
Que ao menos a palavra seja um alento
E que seja capaz de nos livrar do tormento
E, se necessário for, eu me empobreço
E me dispo da palavra
E vou dormir nu dessa palavra
Arranco-a do peito se quiseres
E planto a palavra no infinito
Para ela nascer amanhã com o Sol
Ou cair feito chuva no fim da tarde
Ou se dissipar como brisa na madrugada
Porque eu já estou sem palavras
Fica então com a palavra
Porque eu não tenho mais nada...
Marcos Lizardo
Enviado por Marcos Lizardo em 06/09/2010
Reeditado em 02/08/2021
Código do texto: T2481013
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