É esse o Meu Porquê
Algumas coisas já vêm com a gente. Está lá dentro. N´algum lugar que não sabemos definir ou descrever.
Éramos crianças bem pequenas ainda. Várias, dividindo a mesma casa tão pobre, sem condições nem estrutura. Nada tínhamos, exceto os sonhos que nos alimentavam todas as noites antes de dormirmos.
A casa só tinha dois quartos. Num deles dormíamos, as cinco crianças e, no outro o casal. Mãe e Pai.
Nossa casa não era forrada, aliás, nessa época eu nem imaginava que isso existia. Era um casebre, um barraco que à noite exibia a luz do luar por entre as frestas nas paredes. O céu parecia riscado em riscos verticais por onde eu olhava e sonhava com estrelas cadentes.
O repertório de histórias não terminava nunca. Na verdade acho que a cada dia minha mãe inventava um novo final para a mesma história, para nos satisfazer e nos “ouvir” adormecer em silêncio, sonhando com a revoada de gansos e fadas vindas de estrelas. E, ali do seu quarto nos levava a mundos mágicos, dotados de encantamento. Pois era de lá que vinha o som que me compunha os sonhos e a poesia que me despertou mais tarde.
Lembro-me que no nosso terreiro, bem perto de casa, tinha plantas, tinha urtiga e eu já tinha passado aquilo sobre a pele, sabia bem como coçava e ardia. Mas, no conto que minha mãe se referia, a mocinha tinha que fazer sete tranças e jogar sobre ganso certo, em que uma bruxa malvada tinha transformado o mocinho. Foi assim que acreditei no amor elevado, além do próprio amor, além da dor.
Era uma verdadeira ansiedade que sentíamos em esperar até a noite para ouvirmos mais aventuras de patinhos, cavalos alados, bruxas, sapos, princesas e afins. E, antes de adormecer, em silêncio, em minha mente se criavam os cenários todos. Meus olhos parece que voavam para outro lugar e tempo. Quando olhava ali pela fresta riscada da minha parede, feita de metades das ripas dos coqueiros que meu pai mesmo recolheu e moldou.
O tempo passou e nos mudamos. Enfim, para a civilização. O encontro com energia elétrica, televisão foi a coisa mais incrível que me aconteceu. Não podia entender a maravilha de se ter em um lado da casa o dia, e do lado de trás noite. Total encantamento.
Já na escola, em menos de três meses me entreguei à leitura, aprendi tão rápido quanto meus olhos vagavam por entre as estrelas nas minhas invenções. Descobri a biblioteca da escolinha e todos os livros que tinha, eu li. Lia até papel de embrulho. Os que vinham das "vendas". Na verdade eram jornais velhos de dias idos e já sem importância a ser dada aos fatos já passados.
Na adolescência um dia escrevi poema. Nas redações já era craque. Mas, poesia me foi mágico. De lá para cá nunca mais me separei da escrita.
Durante um tempo o ato de escrever quase que saiu de mim. A vida era tão dura, tão sofrida que nem tinha tempo para fechar os olhos, antes de a mente já estar dormindo. Depois me voltaram os poemas, contos, crônicas e outros tantos.
E novamente escrevro por que acredito sempre ser tempo de buscar o que se sonha e, hoje eu relembro os fantasmas que habitavam minha mente, os monstros que nos roubavam os cobertores à noite e as nuvens que eu transformava em imagens macias pelo céu.
Sempre pensei em pingar tinta nas nuvens para ver que tom ganhariam. Mas, não as entendia aos estarem douradas no final da tarde. Só bem mais tarde foi que me ocorreu o toque de luz e então nitidamente eu vi e entendi o efeito do sol nelas.
Escrever me é uma necessidade tão grande, que se compara ao receber o alimento e no entanto me é muito mais necessário que dormir.
Sinto que não posso perder tempo. Ele me escorre muito rápido e eu preciso escrever e aprender. Preciso ver com os olhos de minha alma, olhos de minha mente e, com isso entender esse meu existir. Essa minha busca pelo encanto em tudo quanto meus olhos tocam.
A vida me parece tão breve e eu não tenho e nem posso permitir, que nada passe pelo meu olhar, sem uma volta aqui dentro de minha alma, numa forma de me eternizar, pois anseio pela vida, anseio tanto que me recuso a deixar o tempo se perder de mim.
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