I

Não foi assim tão de repente
Eu fui morrendo bem aos poucos
Tive de ir despedir-me das árvores
E consolar os aflitos ventos
Dizer ao Sol para não dizer à Lua
(Eu que tinha prometido morrer ao luar...)
Tiver que convencer aquela triste tarde
Que nem a noite que vinha podia saber
Tive que jogar os azuis nas esquinas
E largar os verdes idos pelos becos
E desfazer-me desses amarelos
Que a escuridão não pode ver cor
E que cor nenhuma pode ir aonde eu for
Tive de ir dizer àquelas ruas
Não estranharem eu não passar mais ali
Porque agora devia de ser uma lembrança
E as lembranças não sabem passar
Tive de calar pacientemente a poesia
E dizer que os versos nunca ficam órfãos
Nem os poemas menores abandonados
E que dela fica bem mais que a lembrança
Ficam essas emoções mal assombradas
Não foi assim tão de repente
Eu fui esquecendo bem aos poucos...


II

Não foi assim tão de repente
Tinha ainda no olhar o que apagar
E tinha no olhar muitos horizontes
Que no ocaso se dissipavam
Tinha ainda o que ver nos espelhos
Tinha o cansaço de galgar os montes
E o medo imenso das profundezas
Tinha o que restava de uma saudade
E aquelas cores no belo dos instantes
E nos cheiros tão bons dos momentos
Tinha estranhos ecos nos silêncios
E emoções em certos sentimentos
Tinha rastros estranhos nos resquícios
Tinha uma porção de passos perdidos
A ousarem a beira dos precipícios
E alguns poemas velhos, já esquecidos
Dos quais tive que preencher as lacunas
E completar todos os interstícios
Tinha todas as palavras soltas no ar
E de amor eram algumas ao vento
Calar-me não foi assim tão de repente
Teve de ser tristemente e aos poucos
Enquanto todo o amor se faz distante
E distante, todo amor dói diferente...
Marcos Lizardo
Enviado por Marcos Lizardo em 29/08/2010
Reeditado em 04/08/2021
Código do texto: T2466857
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