[Limiar]

[Naquele tempo, eu não me soubera assim, recorrente... eu não sabia que o janeiro das águas chegara em mim, daquela forma pungente, apenas para que, em minha solidão, eu repetisse o lamento milenar de Edipo em Colono! - Contudo, descreio de Nietzsche: não há o Eterno Retorno!]

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Águas de janeiro...

Recosto a cabeça no travesseiro,

cerro os olhos, penso em estradas...

Lá fora, a chuva mansa encharca, lentamente,

as coisas, o jardim, a terra inteira,

e a monotonia da pingadeira do telhado me embala.

O aço frio duma tristeza profunda e escura

inexplica-se em minha mente.

De repente, tudo é nada,

e vou morrer agora;

sufoco-me, vejo fortes luzes...

Mas não! Deve ser apenas o ressoar

da atávica angústia impregnada em meu ser;

vim do nada e ao nada retornarei no devido tempo,

um tempo meu que eu não sei qual é!

Ah, este pavor, este tremor gelado,

aterrador é pensar no aniquilamento!

Ah! Os luminosos dias da juventude inconseqüente,

o tempo das minhas futurações ansiosas,

os dias em que a esperança brilhava em meu olhar!

Como é doloroso esse inexorável escoar do tempo,

que desgraça cumprir a existência, viver!

Tinha razão o já cego e infeliz Édipo:

Ah, que infelicidade ter nascido!

[Penas do Desterro, dia perdido de janeiro de 1984]

[Excerto [sem data] do meu Caderno Primeiro]

Ps: Também disponível em "audio"

Carlos Rodolfo Stopa
Enviado por Carlos Rodolfo Stopa em 23/08/2010
Reeditado em 10/04/2012
Código do texto: T2454532
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