[Na Vendinha, o "Preço da Capital"]
Ali, naquela vendinha chinfrim, os circunstantes, moradores nos arredores rapados, de onde, por pouco, nem o seu sustento sai, pagam pouco... pagam o que valem as coisas nesta raleira miserável de arraial. E o dono não se queixa, "a vida é assim mesmo, ninguém tem culpa de nada - é o Destino"!
Ah, mas quando acontece de passar por ali um forasteiro, o vendeiro tira o atraso: o sujeito vai pagar por tudo que ele não consegue extrair dos moradores! Uma pinga - custa o triplo; o queijo seco, curado até a dureza de pedra, de tão velho, a preço de fino parmesão... "preço da capital"... Preço de tirar aleluia!
Quantas vezes fui vitima dos preços da "Vendinha"... quantas... lá pros fundos de Goiás, barrancas do Rio dos Bois... eu parava o meu carro por ali, e enquanto eu apeava, já sentia os olhares lambisguentos sobre mim... Olhar de boi deitado no limpeiro da porteira, que, só a custo, se levanta e arreda para deixar passar o carro... Aí, pra matar a saudade, eu entrava e pagava o preço...
A força da infância: quando íamos pra Fazenda Barreirão, a gente parava nas vendas... eu gostava de roer aqueles queijos bem secos, duros, cheirando a corda-de-bacalhau e querozene (assim, com Z, e não S!). Linguiça de pedaço pendurada na corda, sequinha, crocante de arrebentar, e cheia de bosta de mosquitos - também gostava [e gosto]! E gostava de comer com pão velho, de três dias, regado com guaraná quase morno, tampinha enferrujada... e isso, depois de assoprar a poeira da garrafa!
Ah, como eu gostava das coisas da "vendinha"! Ainda hoje, se eu achasse uma venda daquelas, eu descia do carro correndo, e pagava o "preço da capital" por aquelas coisas! Eu vou morrer de velho, de doença, de tiro, de raiva do Governo, de saudade, ou de desamor, mas de comer as coisas da "vendinha" - não! Nunca morri de comer e beber nas vendinhas dos arraiais... nem lombriga eu tive!
[Penas do Desterro, 21 de agosto de 2010]