A cidade

I - Estou na cidade
atônito sobre o asfalto, o dia arde.
O homem e seus sobressaltos,
estão todos na cidade
incomunicáveis.
Todos presos às horas,
verdugos da metrópole
com seus estigmas
calam taciturnamente a alma.

Urbanamente, a vida surpreende!
Corre velozmente sobre a pista
como os automóveis,
belos e reluzentes.
Mas, de modo egocêntrico.
A humanidade rapidamente urbana
silencia vertiginosamente
sobre anseios particulares.

Tudo muito ligeiro, como um cão
que acaba de almoçar
esse pedaço de quibe
jogado ao chão
por um transeunte apressado.


II - A hora do almoço
é sempre corrida,
quando não se come de marmita
é uma quentinha, um salgado,
ou um prato feito.
Quem sabe, uma iguaria
escolhida no cardápio daquele restaurante.
A verossimilhança é que todos comem
quando podem.

A vida amorna
à tarde
de todo happy hour.
O chope estala gelado sobre as mesas
invadindo
à noite.
É tanta conversa fiada
que nunca levam a nada.
Ou, aonde o homem sempre pode ir,
(lugar algum).

A noite espalha seus arremedos,
todos querem parecer normais
frente
à loucura alheia.
Numa síntese fantástica
de hipocrisia gratuita,
buscam similaridades
em suas possibilidades
e enlevados sob a luz do luar,
divagam elucubrantes fantasias
sem admitirem jamais a impossibilidade.

A lua impune ilumina
todos os corações ébrios
enquanto a noite passa.
A madrugada é dos últimos,
o último veículo da orgia
cruza com o primeiro
coletivo proletário 
do dia.

O sol discretamente boceja.
A avenida então desperta, arrepia-se.
Todos precisam ganhar dinheiro 
                                 e estarem vivos.
Todos apreciam o presente
ainda que ausentes do próximo,
todos são plenos apenas de egoísmos.
A vida, esta bendita insinua ainda que distante
uma síntese de felicidade.

III - Vagarosamente um homem
caminha para o emprego.
Olhar soturno, jornal debaixo do braço.
Um mendigo estende-lhe a mão
e recebe uma moeda.
O homem olha cansadamente
para o prédio que adentra.
Bem sabe: - Esta é sua sepultura de concreto.
Mulheres de unhas pintadas e cabelos escovados
saltitam rapidamente sobre suas plataformas
em direção ao trabalho falam somente do capítulo
da novela passado ontem ou de uma promoção
que está por vir, mas que a tal gostosona
ordirnariamente irá conquistar.
A vida assustadoramente se repete.
Porém, ninguém percebe...

Um suspiro peremptório aflige-me
a um bocado de tempo.
Estou para marcar um horário
com o clínico, mas, a ansiedade impede-me.
No fim de semana devo ir ver
uma idosa tia conhecedora de quebrantos,
certamente algo receitará.

Afinal, sou patologicamente humano!
A cidade, a cidade, a cidade
amo-a e a odeio com a mesma intensidade.

Na semana passada,
a dona do apartamento ao lado,
pediu-me para levar seu filho à escola.
Enquanto caminhávamos
o garoto disse-me que não precisava
pegar em sua mão para atravessar a rua.
Fiquei perdido sua mãe dissera-me o contrário.
Mas, o garoto tranqüilizou-me dizendo
que sua mãe ainda o via como criança.
As crianças querem a todo custo envelhecer.
Sentem-se habitantes da cidade,
necessitam mostrar sua importância.
O menino, assim também o faz.
Não o julgo certo nem errado,
(julgar é para juízes).
Eu, meramente observo.
Quando menino, devia sofrer da mesma angústia.

IV - É sempre torturante
subir as escadas de meu prédio
Tenho horror
à solidão.
Não sei o que de fato me espera

após deitar sobre o colchão.
Os fantasmas me perseguem
com certa insistência.
Desde
à época do funcionalismo público
quando pensava ter um monte de amigos
e que em razão desta pontada e outras babaquices, perdi.

Até o mês passado eu dormia
uma vez por semana com Judite.
Mas, depois que a mãe dela morreu
não tem me procurado.
Pensei em juntar nossas panelas.
Mas, afinal não posso esperar muito,
a conheci num baile da terceira idade.
Sabe, eu não estou na terceira idade,
tenho apenas 52 anos.
Sou mais um habitante da cidade.
Amanhã colocarei anúncio
no jornal, necessito d'uma diarista.

V - Hoje o dia amanheceu chuvoso,
faz uma semana que procuro
alguém para organizar o apartamento.
Não posso pagar o que essas moças pedem,
apesar de achar justo.
Houve uma que quase contratei
a danada era bonita demais.
O preço entretanto, estava fora de minha realidade.

O que de fato incomoda é essa maldita pontada,
algo corrói minhas entranhas.
Procurei por minha tia, mas a coitada encontra-se
internada num hospital. Tenho febre, vou deitar...

Judite reapareceu após tanto tempo,
deu um jeito na bagunça e insiste em me levar ao médico.
O coletivo chega lotado. Bem, isso não importa!
Com ela vou a qualquer lugar. Espero que a consulta seja rápida,
                                              tenho coisas a fazer com Judite.

Já se passaram três horas que aguardo esse resultado.
Judite surge no corredor chorando. Merda! Tô fodido...

VI - Depois daquele dia, saio apenas próximo de casa
não posso fazer esforço. Judite visita-me sempre,
mas, tem me evitado. No parque um menino
joga bola e corre alegremente. 
A vida, tão criticada brevemente me fará falta.
Não consigo reter as lágrimas nos olhos.
Porra, eu queria que fosse d'outro jeito.
Há uns pouco anos, eu tomava chope nos bares
e dormia com um monte de mulheres.
A vida já foi maravilhosa! A cidade, engraçado:
- A cidade continua a mesma.
Talvez tenha ganho mais uma rua asfaltada,
                                       ou outra obra inaugurada.

As dezoito horas os sinos tocam as luzes se acendem.
A dor torna-se mais forte. Eu, fui um de seus transeuntes,
trabalhei, criei um filho que não era meu,
e consegui até diploma de advogado.

Nessa hora procuro saber se ao menos serei lembrado.
Porém, tudo parece sem importância.
Talvez, se fosse menos auto-suficiente

e tivesse um pouco mais de humildade,
iria perguntar a alguém o que fazer.
Mas, o que sinto agora não é medo.
Apenas esta saudade, forte e inominada.

De ser somente mais um habitante da cidade.
E com júbilo tocar firmemente meus sapatos
                          em suas avenidas e calçadas.