[Lugar Onde... : Estranheza e Solidão]
["Reconhecer que Deus não existe e não reconhecer ao mesmo tempo que [o homem] se tornou deus é um absurdo...," - Dostoievski]
NADA é mais próprio de mim do que o passar; se existo, então passo... e ao passar, a vejo.
Ela está nesta rua há muito tempo. Mãos anônimas, descuradas de qualquer futuro, fixaram-na ali, entre as suas semelhantes. Para o bom desempenho de sua função, foi-lhe negado qualquer traço de individualidade; se por um instante, os olhos a perdem, terão muita dificuldade de localizá-la, a menos que recorram à simetria, e atentem para o espaçamento, a distância do meio-fio, etc.
Um lugar onde... — o estupor da vida, a estranheza diante dos homens, a desconfiança que tenho de todos eles, levou-me a isto — a pensar no lugar aonde vão os sonhos que fogem! Aquela pedra — lugar sem nome, indiferenciado, dificilmente localizável, resguardado pelo desinteresse, e pelo esquecimento — um lugar onde?... Não é, admito, o que a minha remanescente vaidade desejava — mas é o que será!
Sufocada pelo Dever, a minha a face anseia encostar-se àquela pedra em profunda meditação na Estranheza, na Solidão, na Desconfiança, no Medo...
E no temor da constante agressão de outros mundos, ali morre o meu olhar... lenta e inapelavelmente, morre na mais perfeita comunhão com o Nada...
O mundo está cheio de deuses!
[Penas do Desterro, 18 de agosto de 2010]