Viver a vida
Nunca sei o que é devido e o que me cabe. Dúvidas que carrego como uma incômoda cólica e que sei que me atormentarão do berço ao túmulo. Há entre o que posso e o que o quero, uma distância enorme. Distância que me coloca muita das vezes em uma encruzilhada permitida e descabida, levando-me a insatisfações quase tão tardias quanto o auxílio médico quando o espírito já se foi do corpo. Não ligo muito para o que pensam, não me importo nada com o que fazem, sigo indefinidamente. Meus instintos seguem meio que atormentados e perdidos entre os deveres que a vida me impõe. Sou uma mistura fina de muitas sensações e sentimentos que nunca são negados, mas, por vezes, são legados ao esquecimento. Toda pressão que me causam quando os olvido fornecem-me uma tristeza inexplicável que transborda pelos olhos, uma insatisfação aguda, quase crônica e terminal.
Não é que eu queira transformar a vida em um caminho aleatório e questionável... Na verdade penso mesmo que a vida é assim... Um universo de desejos repreendidos que poucos conseguem transpor. Estamos em um lugar e queremos obter asas que nos conduzam a outro. Nem sempre quando amamos somos amados e, em contraponto, podemos não amar quem nos ama. Só compreendemos a tempestade depois que as turbulências passam e perdemos oportunidades durante o percurso por nos mantermos de olhos vendados para a vida.
Dedicamo-nos a uma causa e, em um momento de lucidez, percebemos que depositamos energia demais em um único local. Isso, quando não nos dedicamos a alguém e sentimos que diluídos no outro, nos perdemos. Recusamos nossas limitações, agimos como verdadeiros heróis e, eis que quando necessitamos estamos sozinhos, abandonados em nosso heroísmo cego que não deixa que os outros nos vejam como seres humanos. Humanos? Sim. E por vezes fracos, inconsequentes, incapazes, pouco verdadeiros e legados ao abandono. Isso talvez seja o que mais certo recebemos.