As Uvas ainda estão Verdes!




          Às vezes acordo com a nítida sensação de ter visto pêssegos entre os cachos de uva, perdidos entre as largas folhas de parreiras. Pêssegos brancos, enormes, suculentos.
          Chego a sentir na face o toque do vento, durante o balanço das folhagens.
 


          Pegávamos a pasta, que hoje eu sei que é polipropileno, mas naquela época não importava. Só importava o fato de ser amarela. E íamos contentes para a escola.
          Dentro, os poucos materiais usados. Cuidadosamente arrumados, para que não amassasse ou se perdesse e a professora não nos desse um "pito".
          O caminho nem era tão longo e  nunca estávamos sozinhos. Muitas outras crianças seguiam juntas, correndo, se divertindo. E, Sentindo a infância na hora certa.
          Ao findar a aula, teimosos, nunca íamos direto para casa,  sempre havia um pequeno desvio. Era quase que obrigatório dar uma passadinha na casa da Avó.
          Era uma casa velha de madeira que ficava na esquina. E tinha  tanto aconchego naquele domicílio pobre, sem eira nem beira, sem nenhum tipo de luxo ou beleza, aparente. Entretanto,   nossos olhos brilhavam mesmo, era quando adentrávamos o portão, ao avistar às parreiras.
          Os ramos subiam indisciplinados pelas laterais da cerca de balaustra. Invadiam as  laranjeiras, se alastravam e se elevavam em abraços pelos galhos dos pessegueiros enfileirados até o fim do quintal.
          Meu avô, era um senhorzinho bem magro, andava um pouco arcado, devido ao peso da vasta idade. No entanto,  que felicidade sempre demonstrava. E ficava sempre ali por fora “aquentando sol”.
          Certa vez, numa de minhas  incessantes dúvidas, das tantas que jamais paravam de surgir, perguntei quem adoçava as laranjas.  Ele me respondeu que as temporãs, eram adoçadas por São João e as demais eram os Três Reis Magos.
          A fala dele tinha para mim força de lei. Experimentaria as laranjas para gravar bem a doçura e comparar depois, mas, como faria isso sem esquecer o quão doces eram? Indagava!
          O outro homem, o  sisudo e mal humorado, era meu tio. Mal subíamos nas árvores ele nos mandava descer, dizia sempre que as Uvas ainda "eram Verdes".  
          Decepcionados e, já com menção de descer, desviávamos o olhar para meu alvíssimo avô com seus cabelos brancos como nuvens de algodão. Ele, num gesto apenas,  balançava a cabeça de forma afirmativa, e o consentimento esperado vinha num sorriso duplamente cúmplice.
          Meu avô sempre tinha sorrisos para nos ofertar. E muitos risos, quando de nossas estripulias. E ria tanto, tanto  e tão sonoro que apoiava a mão em seu abdômen, que até doía de tanto rir.
          Algumas pessoas são mesmo mágicas na vida da gente. São detalhes belos e eternos gravados de forma tão veemente, que jamais se apagam. 
          Guardei intacta, a imagem dos olhos azuis, esbranquiçados, do meu avô, consentindo: vão!  Seu sorriso exalava uma cumplicidade toda disfarçada em silêncio, mesmo que as uvas ainda estivessem verdes! 

          Intocável também é a lembrança de sua expressão me olhando em sua paciente  explicação, toda vez que eu lhe indagava. E ele me respondia docemente, ainda que o assunto fosse sobre quando e quem adoçava as laranjas. Fossem elas temporãs ou não.





                                                         





               ***imagens google***






 
AndreaCristina Lopes
Enviado por AndreaCristina Lopes em 13/08/2010
Reeditado em 20/08/2012
Código do texto: T2434941
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2010. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.