Apocalipse Contemporâneo

O céu brada um canto bravio, tremendo de fúria. Os pássaros fogem de medo rumo ao continente da incerteza. As mães largam seus bebês no penhasco, aos sabores e dissabores dos animais selvagens. Bestas devastam rebanhos. A demoníaca e caótica situação atinge todo o cosmos. Gravemente ferido, o astro-rei parodia o negrume sideral e deixa de brilhar. As colinas se abrem para vomitar rios de lava, fogo e enxofre. Um sino plange ao longe, uma vez, e outra, e outra. Suas notas vão em escala crescente: dó, ré, mi, fá, sol... Sol, sol de justiça, sol de verão, sol que queima as plantas e cujo brilho reverbera nas gotas da água do oceano. Peixes saltam, tentando escapar do domínio imposto por Netuno, mas caem miseravelmente nas mãos do Zéfiro. Flâmulas de paz são exigidas aqui e acolá, mas ninguém aceita ser o primeiro a levantá-las. Barcos encalham em alto-mar, escondem-se das vagas entre os rochedos. Madona dos rochedos, virgem altiva e soberana a mostrar o Rei, acompanhada de uma figura angelical. Anjos ou demônios? Quem está por trás de tudo isso? A história continua, o tempo corre solto, o espaço perpetua-se no tique-taque de cada relógio. Formam-se coros pelos quatro cantos da terra, vozes unidas pedindo socorro. Pedem socorro, mas mancham suas mãos de sangue e encardem suas almas de crimes. Um já havia morrido para acabar com toda essa desordem, mas não lhe deram razão e o desacreditaram. Queriam um rei mais pomposo, assim como as rãs exigiram uma bela garça, que as devorou uma a uma. O mundo pede paz, mas sua voz é de guerra. Pede amor, mas o tom é de ódio. Pede justiça, mas a impunidade corre solta. Que vá até vós o nosso reino. Reino do caos e da discórdia, discórdia tamanha que chega a fazer inveja a Eris. Que vá até vós nosso jeito de ser, nosso jeito de criticar o mal e agir mal. Que vá até vós nossa oração, nossa prece que fazemos, não sabemos se para ti ou se para o adverso. Que fique gravada no universo essa grande e única verdade: o homem ainda não aprendeu a ser gente. O homem ainda é um bicho, um animal irracional. Ainda é preciso que tu repitas incessantemente: "não sabem o que fazem", pois realmente não sabemos. Vivemos de fúria, vivemos à custa de sangue. E sangue que não é o teu, pois queremos outros deuses mais revolucionários do que tu. Paz? Só se for com as condições que queremos. Hierarquia? Só a nossa é válida. Ainda o homem não entendeu o que é esse amor que exigistes como condição única. Nosso amor é limitado e limitada é a nossa compreensão de Deus. Cada um faz o seu Deus e o adora do jeito mais conveniente. Viva a rebeldia! Abaixo a ordem, a ortodoxia, a reta razão, a pureza! O que vigora a partir desse momento é a lei da revolta, da rebeldia, da rebelião, da revolução. Re-volta, Re-beldia, Re-gurgitações de um mundo vazio e oco de si mesmo. Mas onde está tu no meio de tudo isso? Simplesmente não estás!

Marcel Gustavo Alvarenga
Enviado por Marcel Gustavo Alvarenga em 09/08/2010
Código do texto: T2427316
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