Inspiração
Não chega á velocidade da noite
nem cai quando o desejo
vem devagar e nem sempre no momento mais próprio ou quando o tempo me dá tempo de apanhar esse vagão de memoria que chega quando lhe apetece…
Apanha-me de surpresa e tantas vezes sem estar preparada,
sem emoções á flor da pele,
sem recolhas de frutos em cânticos de saudosismo
sem saber porquê
porque o coração não acelerou nem abrandou, está pálido, calmo mas feliz
sem palpitação cardíaca fruto de exaltação e mudança mas encontrando-se sereno e cheio daqueles momentos de coragem que chamo de amor.
Denuncio-me mesmo quando a inspiração não chega
ou até quando chega no momento inapropriado
sem saber o que fazer
sem vontade de escrever
aonde a memoria não grava ou acompanha a velocidade da luz com que chega ou com que parte as palavras ditas.
E fico confusa sem tempo de apanhar todas as cerejas caídas no meu chão
Sem estrelas ou oscilações no sangue que corre com a velocidade que lhe apetece
e nem sempre me apetece medir os níveis do sangue ou pensar sequer naquele que ocorre nas minhas veias.
A minha colheita são os olhos dos meus filhos
a paz com que me transmitem vida através de um sorriso de um ou da energia de outro
traz e rouba inspiração
mesmo quando não existe nesta vida
estará presente na minha vida paralela
em que me sento e sinto com a mão no peito
que assimilo cada toque, cada palavra
cada retrato…Em que vale a pena o tremer ou estremecer, o balançar da corda e a queda da ponte, o salto final….
Salto este em que acordo estampada nesta vida, no caminho que fiz, no lado que escolhi, nos olhos deles que me revejo em carne, sangue e alma, neste mundo sem palavras
em que chega a inspiração atribulada quando lhe apetece, mesmo quando não me apetece a mim…
adormeço e acordo num anoitecer alucinante
sem lápis e canetas
memória desperta á luz da noite
e quando as luzes se apagam e me deixam com a alma exausta
eu estou ainda finalmente Viva, no lado de cá!