A UM JOGADOR
Ès um jogador. Jogaste a tua vida inteira, ainda quando não o querias, ainda quando não o sabias. Jogaste com todas as nossas vidas... jogaste as nossas vidas todas...
Se te amo, amo-te com toda consciência do que és, sem ilusão possível, e isso é raro e isso é façanha para heróis de mitos.
Amo-te porque não posso partir de mim que, de algum modo, sou-te a face e a contraface. De algum modo, isto é, não nos teus absolutos.
Sei que sabes que eu te sei. Sei que sabes que te sei as máscaras... quase todas. Sei que sabes que te amo, em cada um dos teus rostos-máscaras, em muitos e muitos dos teus esconderijos. Quem sabe, em algum esconderijo que não conheço, esteja-nos a verdade de que tanto necessito.
Jogo comigo há muitas vidas nesta vida, para acompanhar-te.
Tu me transformaste, ao longo de todas estas tantas nossas vidas nesta vida, de estrela a prostituta, de estrela a poeira de estrada, de estrela a verme, de verme a anjo... e vice versa.
Estou cansada. Nunca viste o meu rosto de gente. Só me tens amado nos extremos que sou por um átimo, nos quais nunca duro, ao contrário de ti em mim, que em trajetória terrível permaneces, com teus céus e teus abismos.
Estou cansada. Desta vez, mais um gesto meu, simplesmente humano, gesto desesperado na tentativa, reconheço não muito digna, de compreender-te no que fomos há vinte anos, levou-te a crucificar-me, de novo, esquecendo-te, tu, dos horrores que passei em consequência de teus incomensuráveis e também bem pouco dignos gestos antigos. E, nem sabes o vulto real de tais horrores que, para poupar-te, muito dele, desse vulto real, por mim te foi escondido.
Acima de tudo, me crucificou e me crucifica o teu eterno silêncio, que talvez não seja mais que a tua eterna negação de mim em ti. A tua eterna negação de mim em ti.
Não posso mais. Ainda que te carregando ao longo dos séculos vindouros vou partir, para tentar salvar-me o possível de mim, em mim. Para salvar-me, também, da sanha das outras tuas todas mulheres, dispostas ainda a me liquidarem, se necessário a pedradas, em praça pública; para salvar-me de ver-te, ainda que a morreres também por dentro, a observar-me a morte, sem erguer verbo algum nem gesto para defender-me, para delas, das tuas outras todas mulheres, salvar-me.
Zuleika dos Reis, na manhã de 06 de agosto de 2010, na capital de São Paulo, Brasil.