Chacal

Vivo nas fronteiras do sonho e da ilusão. Caminho sobre a lâmina fina que separa o concreto do abstrato. Alimento-me das dúvidas não respondidas e faço dos paradoxos o melhor vinho a ser bebido.

Antes era só uma sensação estranha, um frenesi desnorteado entre momentos de lucidez. Agora que me embriaguei com as incoerências da humanidade e em minhas veias correm sombras ao invés de sangue, passei a ser permanentemente aquele que enxerga tudo com outros olhos.

Fujo da constância e do comodismo. O único equilibrio que tenho é o de não me sustentar em coisa alguma. Vejo as coisas todas com olhos de um observador em terceira pessoa. Vejo-me assim também. Não me pertenço. Não estou em mim.

Meu método é o irreverente ceticismo perante a pseudo auto-suficiência dos homens, a atitude inesperada que desmorona seus castelos lógicos. Detenho-me a observar a loucura dos que se dizem sãos e constroem vidas sobre as mais frágeis futilidades. Não tenho outro talento senão olhar as pessoas enquanto elas se dilaceram por um pouco de nada. Subo ao pináculo das minhas insanidades e assisto o fim do mundo enquanto sorvo o sumo amargo dos frutos que eu mesmo colhi.

O meu tesouro eu o guardo trancafiado nalgum lugar entre as paredes do meu quarto e as válvulas do meu coração. Alguns nomes, muitas idéias, um futuro incerto que tento aos poucos remendar. De forma que qualquer um, tentando se apossar do que tenho, pensará que tudo é lixo. Pouco sabem o valor das coisas.

Meu mundo eu mesmo o criei. Um sonho no qual semeei as mais belas flores e ergui os mais suntuosos palácios. Só não entendo como os monstros de outros pesadelos conseguiram invadi-lo. Assim, sonho estar num mundo ideal, cheio de felicidade, e de repente surge uma criatura medonha a me perseguir, um anti-ser do qual corro mas não consigo fugir.

Acordo assustado no meio da madrugada e olho para os lados. A criatura está lá, junto à cama, me encarando.

Esboço um sorriso para mim mesmo, ignorando o monstro, e volto a dormir.

A realidade que se encarregue de matá-lo.

Marcel Gustavo Alvarenga

13/07/2010

Marcel Gustavo Alvarenga
Enviado por Marcel Gustavo Alvarenga em 02/08/2010
Código do texto: T2414722
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