Sede ou Saudade?

A água gelada lhe descia garganta abaixo, e a sensação de frescor era ainda maior, pois bebia naqueles copos metálicos e a água era de filtro de barro, pra relembrar tempos de infância. Todavia não sentia sede, sentia saudade. Embora ele não admita que esteja sentindo, prefere dizer que irá sentir saudade, mas não sente ainda. A água no copo metálico mata a sede que ainda virá. E quando vier a saudade? A água suprirá?

Montanhas atrás de montanhas. Ele tenta ver a última montanha e acaba encontrando outra. Dá um sono. E ele sonha com ela. Acorda e vai pra calçada e troca aquele dedo de prosa naquelas cadeiras que só no interior tem. São cinco horas da tarde, bate um vento e a saudade também. Não pode ser, não pode ser, dizia ele pra si mesmo e ai de alguém que ouvisse. Vai passar, com certeza vai passar, mas deitado na rede horas depois ainda não tinha passado e uma sede lhe bateu. Foi até a cozinha, pegou outra vez o copo metálico, encheu de água e ao aproximar o copo da boca viu por alguns segundos a imagem dela no reflexo do copo. Tomou um baita susto, tanto que deixou o copo cair no chão. Pegou um pano e secou. A sede insistia e outro copo (pra não correr o risco de ver o rosto novamente) pegou para beber. Voltou pra cama e ter visto aquela imagem de certa forma amenizou a saudade.

Dia seguinte passou o tempo todo cuidando de um jardim de azaléias. Não era especialista em flores, mas com a ajuda da avó resolveu aprender. Regava as flores. (estava matando a sede delas no pensamento dele) Será que elas sentem essa sede que ele vinha sentindo? Aquele era seu último dia no interior e voltaria pra sua rotina no dia seguinte. Já no caminho de volta observava as montanhas que surgiam atrás de outras. E a saudade parecia que surgia atrás de outra saudade. Tentava se controlar, mas não conseguia e vinha a imagem refletida no copo. Chegou em casa bem tarde e antes de dormir bebeu um copo d’água, mas não era num copo metálico e o filtro não era de barro. Arriscou a pensar que não matou a sede por completo, é como se faltasse algo a mais, da mesma forma que uma imagem refletida num copo não mata a saudade por completo. Precisava vê-la pra acabar logo com essa saudade e voltar tudo ao normal.

A água gelada do filtro moderno, daqueles que tem opção de natural e gelada e ainda controla o fluxo, lhe descia a garganta, mas dessa vez era sede mesmo da pizza que tinha comida ao monte. Ela e todo mundo estava lá perto dele. Matara a saudade ao vê-la. E um pensamento lhe veio à cabeça: será que matou mesmo a saudade ou ela apenas aumentou, será mesmo sede por causa da pizza? Ele se vira, fica de costas pro filtro e se depara com ela olhando diretamente pra ele...

02/08/2010

Miguel Rodrigues
Enviado por Miguel Rodrigues em 02/08/2010
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