Desnecessárias catarses
(Um poema para todos e para ninguém)
I
Recolho os cacos
Só a mim ferem os estilhaços
Ponho o lixo fora como um rito
Tiro o pó dos momentos todos
E coleciono, por hábito, silêncios
Guardo palavras, com esmero
Aprendi das palavras as ações
Domo os pensamentos mais selvagens
Torno os instintos certas intuições
Inspiração, reflexão, conclusão
Essa poesia repleta de caminhos
Esses versos que já saem sozinhos
E vão por aí sem a minha permissão
O estranho é me estranhar um estranho
De antanho regurgitar esquecimentos
E desmerecer todos os merecimentos
Esqueço elogios, dispenso condecoração
Por vezes sou muito de bastidores
Meu desdém pelas coisas impressiona
E mais impressiona do que assusta
O que assusta é minha falta de temores
Essa busca vã de vãos equilíbrios
E a crença inútil em salvação
A persistente ilusão de algo além...
II
Recolho na retina infindas paisagens
Desfaço a tempo as malas do tempo
E sempre levo muito pouca bagagem
Alimento-me apenas de leveza
A vida pesa mais do que preza
E presas à vida apenas as asas
Num voo feito de vontade de viver
E se me desfaço de tantos espelhos
Nunca me desfiz do que vejo neles
Meu olhar não se faz de lembranças
Mas sim de entendimento do que vê
Parco consentimento para entender
A luz que ilumina trazer a sombra
E na escuridão saber luz refeita
Perfeita estreiteza de certa lucidez
Lúcida aridez desses meus desertos
Sempre por perto dessa plenitude
Pleno de distanciamento consentido
Consentimento da inevitável precariedade
Da realidade subjacente das coisas
Da verdade mais contingente do que absoluta
Sou filho da maldita poesia
E pai de cada uma dessas palavras
Que em mim me fazem filho da luta
III
Desnecessária qualquer catarse
Prescindo de reconhecimentos
Desconheço tais angústias
Desmereço esse recolhimento
Ignoro estranhamentos
E estranho tudo o que trago
De um tempo antes do tempo
Porque desmistifico horas que passam
Envelheço com um menino aqui dentro
Afoito por curiosidades e descobrimentos
Ainda perplexo diante de acontecimentos
Extasiado com a árvore que brota silenciosa
Com o vento que carrega no dorso um vento
Com a tarde que deixa cair a noite
Fazendo um estrondo que ainda ouço
Com o rio a cantar tanta cachoeira
Com o horizonte que anuncia o porvir
Com a vida que nada mais faz senão fluir
E com essa sensatez de nunca nada pedir
A não ser a emoção e o motivo para sorrir
São só minhas todas essas palavras
E eu nem sei de onde é que elas vem
Num poema que pensei para todos
Mas que escrevi para ninguém
(Um poema para todos e para ninguém)
I
Recolho os cacos
Só a mim ferem os estilhaços
Ponho o lixo fora como um rito
Tiro o pó dos momentos todos
E coleciono, por hábito, silêncios
Guardo palavras, com esmero
Aprendi das palavras as ações
Domo os pensamentos mais selvagens
Torno os instintos certas intuições
Inspiração, reflexão, conclusão
Essa poesia repleta de caminhos
Esses versos que já saem sozinhos
E vão por aí sem a minha permissão
O estranho é me estranhar um estranho
De antanho regurgitar esquecimentos
E desmerecer todos os merecimentos
Esqueço elogios, dispenso condecoração
Por vezes sou muito de bastidores
Meu desdém pelas coisas impressiona
E mais impressiona do que assusta
O que assusta é minha falta de temores
Essa busca vã de vãos equilíbrios
E a crença inútil em salvação
A persistente ilusão de algo além...
II
Recolho na retina infindas paisagens
Desfaço a tempo as malas do tempo
E sempre levo muito pouca bagagem
Alimento-me apenas de leveza
A vida pesa mais do que preza
E presas à vida apenas as asas
Num voo feito de vontade de viver
E se me desfaço de tantos espelhos
Nunca me desfiz do que vejo neles
Meu olhar não se faz de lembranças
Mas sim de entendimento do que vê
Parco consentimento para entender
A luz que ilumina trazer a sombra
E na escuridão saber luz refeita
Perfeita estreiteza de certa lucidez
Lúcida aridez desses meus desertos
Sempre por perto dessa plenitude
Pleno de distanciamento consentido
Consentimento da inevitável precariedade
Da realidade subjacente das coisas
Da verdade mais contingente do que absoluta
Sou filho da maldita poesia
E pai de cada uma dessas palavras
Que em mim me fazem filho da luta
III
Desnecessária qualquer catarse
Prescindo de reconhecimentos
Desconheço tais angústias
Desmereço esse recolhimento
Ignoro estranhamentos
E estranho tudo o que trago
De um tempo antes do tempo
Porque desmistifico horas que passam
Envelheço com um menino aqui dentro
Afoito por curiosidades e descobrimentos
Ainda perplexo diante de acontecimentos
Extasiado com a árvore que brota silenciosa
Com o vento que carrega no dorso um vento
Com a tarde que deixa cair a noite
Fazendo um estrondo que ainda ouço
Com o rio a cantar tanta cachoeira
Com o horizonte que anuncia o porvir
Com a vida que nada mais faz senão fluir
E com essa sensatez de nunca nada pedir
A não ser a emoção e o motivo para sorrir
São só minhas todas essas palavras
E eu nem sei de onde é que elas vem
Num poema que pensei para todos
Mas que escrevi para ninguém