[Dentro de mim, é Noite]
[Viver — esta tentativa insana de capturar instantes...]
Não; não tem sentido pensar que ainda é noite dentro de mim. Até por que eu já percorri, de carro, algumas ruas desta cidade sem alma, e vi, claramente que é dia; sim, um céu de chumbo, mas dia!
Vi o comércio abrindo suas portas,
vi as comerciárias indo para o trabalho,
vi cachorros errantes,
vi pobres vagando pelas ruas,
vi bares, destes que ficam no caminho de quem trabalha, já com suas portas abertas, café fumegante no banho-maria.
Há uma suavidade nesta sinfonia do despertar de uma cidade — até mesmo num lugar desalmado como este.
Eu me levantei mais cedo que de costume, tomei café quase sem dar por isto, e saí. Saí assim, a toa, atrás de coisas não urgentes... saí por que, ao acordar, senti que o dia já estava perdido, saí por que eu não queria ter amanhecido nesta segunda-feira — mais uma!
Saí, e levei a noite comigo. Dentro de mim ainda era noite quando entrei no carro — e é noite agora! Sei que isto é uma besteira, uma recusa absurda em obedecer ao comando da luz para eu abrir os olhos — mas por que eu abriria meus olhos, o que há de novo na maldade humana que mereça o meu olhar?! Ultimamente, é como se não mais amanhecesse em mim, pois amanhece para quem tem esperanças. Amanhecer: parece-me uma repetência inútil, uma perda de tempo...
Tenho de pensar em extremos, meios termos não me servem — ou a minha sensibilidade é noturna, doentia, intensa... ou está, esteve desde sempre, desde os tempos do meu chalé amarelo, embotada — que soturno viés é esse do meu olhar?
[Penas do Desterro, Noite das 10 horas da Manhã de 02 de agosto de 2010]