O FANTASMA DOS AFETOS

(para Eliane Hunning, em Chapecó / SC)

Poetas são como crianças, porque têm alma de cãozinho novo. Falam uma linguagem diferenciada, buliçosa, sapeca. O lúdico que ninguém espera. Mesmo contando verdades dolorosas ninguém os leva a sério.

“De médico, poeta e louco, todo o mundo tem um pouco”, diz a sabedoria popular. São tontos que entontecem a cabeça dos lúcidos, aqueles outros loucos que comem idéias através de sanduíches de palavras.

Vês o Mario Quintana, o Bandeira, o Vinicius? Alumbram-se com o riso, encharcam-se na voz gutural da alegria.

Isto quando a temática se propõe ao riso. Fora disto, taí o ‘pneumotórax’ do poeta Manuel Bandeira, que tosse até hoje, mesmo depois de morto, e cospe o bicho – no lixo – aos nossos olhos e ouvidos...

Até as amadas, em suas também buliçosas algaravias no coração dos poetamantes, dançam nuas no espírito. Para estes, elas nunca são, por mais que o físico sugira, apenas o raro material de cama e mesa.

Porque há sininhos nervosos que ficam batendo na cabeça dos condenados ao pensar.

Até o gozo fogoso do amar se traveste na doçura que se escoa na pinga, vinho ou uísque, no fogo mortal no estômago. Ou na bala na têmpora, no coração ou no ouvido. E claudica a (sempre claudicante) pata do desejo.

Colhe-se timidamente a flor, no barro sujo das vivências. E a boca, mesmo sem dentes, morde o sentido da vida. E se fica dançando com o que sobrou: o nu fantasma dos afetos.

– Do livro CONFESSIONÁRIO/EU MENINO GRANDE. Porto Alegre: Alcance, p. 302:3.

http://www.recantodasletras.com.br/prosapoetica/240093