A ROSA AMARELA DESFOLHADA
E doía muito por dentro, doía tanto de um jeito novo de doer, não sentira jamais algo dessa natureza, parece que dores tem jeitos tão diversos e isso a gente aprende após já ter vivido muito e se defrontado com toda espécie de armadilhas pra nossa avidez e carências mal resolvidas. Enquanto buscamos algo que nem sabemos o que seja, a maior parte das buscas é algo assim um tanto incompreensível e anárquico, se vamos em frente, olhando aquele lago atraente de possibilidades imaginadas, poderemos subir direto ao paraíso e cair vertiginosamente na próxima curva sem direito à rede protetora, feito fruta madura se rebentando de encontro ao duro solo das constatações irreversíveis, cuja existência já se delineara como intuição, entretanto ignorada para adiar mais um pouco o desfecho insólito.
Doer tem tantas cores, tantos abismos... a gente pode despencar legal quando resolve apostar todas as fichas sem deixar nenhuma reserva. E o que é a vida sem esse vale-tudo, sem essa soltura de ir se expondo, se despindo das odiosas precauções e medos, rejeitando os abomináveis cálculos de custo-benefício feitos pra garantir uma uma vidinha insossa de cama e mesa, como planta parasita e estéril?
(Há pouco aquela rosa amarela que foi testemunha de uma trajetória intensa e curta, tal qual a vida das rosas,
começou a se desfolhar, por mais que eu tivesse tentado preservá-la, dedicado a ela todos os cuidados, ainda assim agora pende tristemente na sua haste.)
Morro mas não abro mão dessa incompatibilidade total com acordos de covardia, que é minha maior conquista. Finalmente estou livre e aceito viver desfechos dolorosos se antes disso eu possa viver um instante que seja da bandeira desfraldada do desapego às normas falidas, aos conceitos equivocados, aos trejeitos, aos ai meu Deus e toda essa conversa gasta de gente entocada, agarrados uns aos outros como carrapatos. Me rebento, me decomponho e componho mil vezes se isso puder me trazer algum instante que valha a pena. A vida se torna assim um tudo ou nada, sem panos quentes pra atenuar a emoção, sem covardias justificando comportamentos de renúncia. Não abro mão de um centímetro de solo conquistado e ai de mim se pensar em voltar atrás pois isso é totalmente impossível. Entretanto, entre um salto e a visão de uma possível queda brusca, o preço é essa dor de músculos enrijecidos, um nó na garganta, um desatino de corroer as entranhas. Este é o preço para quem não quer se poupar, não aceita negociar com a sorte, quer ver o circo pegar fogo, a vaca ir pro brejo, quer ver além das aparências, mas inteira, corpo, alma e adjacências. De quem já perdeu muito e não aceita mais renunciar. E por outro lado vai batalhar até o fim por aquilo ou aquele com quem encontrar a sua paz. Loucura? Ah, isso agora não é mais hora desses questionamentos. Alia jacta est...