VERMELHO- CEREJA
Não há como negar o dinamismo da vida.
Nela tudo vive em constante transformação, seres animados e seres inanimados, porque mesmo sem vida é mister que se seja...algo, em algum lugar.
Aos poetas sempre coube cantar as mudanças do todo nos versos de ricas rimas, embora na vida nem todas as mudanças são rimas perfeitas. As trajetórias mudam sem se preocuparem com a estética da poesia, tampouco com o conteúdo dos poemas.
É assim que , então, muitas vezes rumamos por rimas vazias, no simples e complexo ato de continuar sendo...ainda que em desbotado tom.
Mas, foi ele quem me inspirou nessa prosa.
Eu o adquiri numa dessas barraquinhas de prendas diversas numa festa junina de bairro simples.
Estava ali solitariamente dependurado numa arara em meio a tantas quinquilharias de brechó, mas já de longe eu o observei com atenção, e não precisei de muito tempo para entender que ele era muito diferente do seu entorno.
E eu estava certa.
Dizem que quando encontramos o verdadeiro, bastam segundos para que entendamos a verdade.
Tinha cores perfeitas mescladas entre si, e foi o seu vermelho-cereja que inspirou o meu desejo de possuí-lo e então , eu o arrematei por um real. Nem acreditei naquele valor!
As verdadeiras fortunas deveras custam pouco, e muitas vezes sequer têm preço...
Quando o toquei senti sua delicada textura de seda que acariciaram os meu dedos, e logo vi que no seu vermelho se estampava o laçarote de cabelos duma sorridente figura da Minnie.
Então, não me foi difícil perceber que alguém o comprara num desses parque temáticos da Walt Disney e o abandonara ali depois de algum tempo de uso, porque um fato também é aprendizado, mesmo os melhores tesouros do passado um dia entediam e são abandonados pelas ganâncias das paixões.
Sorri para a Minnie e nele me aconcheguei suavemente naquela noite que descia fria, a nos trazer o São João.
Tempos depois viajei e o coloquei na bagagem, porque na verdade, para qualquer lugar do mundo sempre levamos o todo que nos é caro.
Embora verão, senti que me seria útil em qualquer ocasião;e foi assim que sobre um sol a pino, eu o retirei da fria noite de São João e o fixei ao meu chapéu sob um sol de quarenta graus.
Depois dum passeio pelas ruas de Madrid, percebi que havia perdido o meu lencinho de seda do brechó. Sequer imagino qual foi a sua posterior história depois que partiu sem de mim se despedir.
Lamentei como quem houvera perdido ouro!
Olhando a sua trajetória de vida, a dum mero lenço de seda, senti que veio ter comigo para um grande ensinamento: O de que nada escapa do destino.
São as perdas que mais nos inspiram o entendimento, a exemplo dessa, sem a qual a presente prosa jamais teria nascido na cor vermelho-cereja.