A chuva confere um ar melancólico aos passantes, a rua molhada, o balé desengonçado dos guarda-chuvas*. Um poema se esvaiu daqui de mim, repentinamente. A chuva traz lembranças de infância, e outro poema já se insinua, chove em mim, em cada um, nos telhados das casas e dos prédios, chove na rua.
Vidraças e relâmpagos, ribombar de trovões, e aprendi a amar tempestades nem sei quando e muito menos por quê. Uma fúria da natureza que devia impor ordem no recinto...
Vi um para-raios* colher a luz azul de um relâmpago, por uns trinta segundos como que preso ao chão, querendo escapar. Sabia que nunca mais veria isso outra vez. E nunca mais vi, nunca mais. Ainda que olhe sempre quando posso, quando chove.
Fique em casa quando chove, se você não quer se molhar, se não tem bom humor e nem é uma criança de seus dez, doze anos.
— Mãe! Posso ir tomar banho de chuva?
— Pode! Mas volta logo e toma um banho quente e põe roupa seca!
Eu nem suspeitava disso, nem podia, mas havia uma poesia incipiente (e insipiente também) nesses dias de chuva. Havia mistérios que imaginava desvendar, quando fosse grande e sábio, como tantos outros mistérios da vida. Que hoje sei que não são feitos para serem desvendados, e sim que são mistérios que nos desvendam quando nos pomos a contemplá-los.
  
(*)
não sei mais o plural disso, nem para que ainda servem os hífens, mas uma pesquisa básica dá conta de que guarda-chuva (plural guarda-chuvas) continua assim mesmo, com hífen, cabo e tudo mais. E para-raios manteve o hífen mas perdeu o acento, só espero que não tenha perdido a capacidade de parar os raios.

(Poesia On Line, em 13/07/2010)
Marcos Lizardo
Enviado por Marcos Lizardo em 13/07/2010
Reeditado em 05/08/2021
Código do texto: T2375115
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