Matéria densa para poemas futuros

POEMA DE MURRO

... que a vida me estude, se for o caso, abra a ferida, jogue veneno e feche a brecha pra ver se o sangue absorve e sobrevive, se a mente busca saída além do real e tudo não desande ladeira da vingança, que tudo se curta e se cure por dentro, baque intenso que absorvo do mundo: tacape, seta, flecha incendiária, raio e trovão, tempestade, duendes e dragão, tudo dentro, no peito, batendo pilão, fazendo o poema duro, poema muro, poema murro, espinhoso, de corte. Fio da navalha é o passo que calço.

PESCO NO ESCURO

... poema que balance tudo, que o velho navio sucumba, se for só sonho o que procuro, guerreiro que seja na busca, poesia-desafio, que mexa na difícil ferida, que adentre, encontre e meta o bedelho, que tire arreios, busque na inspiração a piração diária, literatura bruta, onde tudo espoca, pipoca e esmera-se num subconsciente que implode, escorre pAra fora. Nada a declarar, tudo a dizer, redesenhar o mundo, jogo meu anzol e pesco em água turvas, no escuro, tudo o que me oferecem é esgoto, o roto e rasgado.

ENTREGO O CORPO

...tudo o que me pedem á face. Entrego, o corpo, o copo, a cópula, métrica e rima, meu ser pouco, louco, horto de plantas vastas, verde e de muita água. Não, isso não é poesia é vida, uma macia cama onde me deito e me ajeito com a mulher amada, a mais perfeita inspiração e imaginação, a que me completa e tranqüiliza, alisa, que me dá a alma, água na boca, não rejeita o louco do ser e me leva além do turvo da nuvem, vertigem, furacão que se aproxima, limpa a paisagem e refabrica o sol, céu azul sem nuvens e nova tempestade.

ENXOFRE DA DOR

... mas no vácuo, a minha dor se faz gás e queima seu enxofre, é onde o ocre do mundo exala todo o martírio e pra isso não há exílio. A dor física se fixa e rói e vem e se cria, espalha-se além de onde a imaginação ânsia. Tudo pode ser mal, fazer mal, ser o fim, o erro, o avesso, parte ou o inteiro. O rio caudaloso é piscoso por natureza, a alma densa tem dentro substância enigmática e volumosa, já vem com todo o conteúdo e ruído, toda a química e a alquimia por trás dos mistérios que as palavras guardam.

PALAVRAS E SANGUE

... se palavras são conteúdo, onde achar tanto molde para o encaixe nesse pântano das intenções e das ações intentadas, descrever o que se busca, a palavra exata, a que exala e busca tornar a impossibilidade à frente próxima e inverter e verter sangue derramado em vão. É ter o coração aos pulos, saindo pela boca e pele, é ir além daquilo que nossa carga aquenta e desfazer o silêncio que habita o subalterno, fazendo com a palavra força de emergir e impregnar paredes, chãos e tetos, desfazer o silêncio obsequioso que domina muitas cenas da vida, fazendo crescer o não à omissão, submissão, delação, tentações....

POEMA DE FOGO

... se todo ditador é imperial e barulhento é porque se ostenta e tenta sempre a desunião, sua arma dileta, a sua garganta é faca que corta e ajoelha o povo. Por isso risco de novo o fogo, pólvora pela guarita afora, pelo forte apache adentro. Poema que me invade sem que eu peça, duro, inflexível, radical, espinhoso, que vem no parto com a ponta à frente rasgando a pele, navalha, lança que lanço incendiária.