cacos caminham calmos

Cacos caminham calmos

Omoplatas avermelhadas rastejam por cima de uma coluna de dores

Que assegura que a direção não se perca.

Olhos quase cegos apertam a imagem

Que na horizontal se forma diminuindo assim o foco, tentando mirar

Tal qual uma flecha bêbada no ar.

Passos lentos, ondulantes na vertical... E la segue, o caminhante.

Nas bordas do traço cinza e frio, destino dos que vão...

Aqui ninguém volta! É uma BR sem placas, sem destino, sem vitórias, desatino...

O etéreo ar que lhe invade os pulmões até parece que o infla, como a um balão...

Pobre criatura oca, rasgando o espaço do nada.

Mas a ele nem importa que o nada esteja avançando, ele próprio já se sente nada...

Ou talvez nem se sinta... Só caminha a lugar algum e sem pressa de chegar.

Triste figura, nada literária... Traço pequenino na vertical, de uma linha horizontal infinita...

Lonjuras tantas... Pobre ser.

Passo a passo ele se aproxima do desaparecimento inevitável de meus olhos.

Sumindo assim na paisagem, tal qual miragem.

Nem sequer havia neblina para deixar mais bucólica a imagem, era crua, doída e raspada...

Como telas de texturas feitas em madeira...

Creio que Portinari pintaria uma tela se te visse, pobre ser caminhante na BR, onde o vento quase te leva com ele.

E o zum zum de carros velozes ao teu lado, nem percebe tua presença...ou seria tua ausência?

E a fumaça de caminhões mal regulados, te cobrem em negro manto, de quando em quando...

Adeus, triste figura.

Que os quilômetros te sejam brandos.

Márcia Poesia de Sá

Márcia Poesia de Sá
Enviado por Márcia Poesia de Sá em 08/07/2010
Reeditado em 09/02/2016
Código do texto: T2365967
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