Os vestígios do dia.
 
 
Onde estão os vestígios do dia que vivi ontem? Não os  encontro, não importa onde os procure. Não estão em minha memória castigada nem em minhas retinas cansadas. Preciso deles para comprovar que existo,   que sou alguma coisa mais do que esse barco a deriva, solto sem amarras, nem remos, nem velas, na correnteza indolente desse rio sem porto.
 
Onde estão os vestígios dos sons que ouvi,  dos aromas que senti, das palavras que disse ao vento? Sem esses vestígios não sei quem sou porque o que sou é feito deles e se eles se  perdem, voláteis no tempo, eu também me perco sem rumo a seguir.
 
Onde estão os vestígios das notícias que ouvi,  das histórias que contei, dos passos que caminhei? Olho para trás e o que eu vejo é a areia lisa e compacta sem nenhum resquício dos pés que por ali deveriam ter caminhado. Olho para frente e não vejo a luz no fim do túnel e nem poderia ver porque o túnel ali não está. 
 
Onde estão os vestígios dos amores que vivi,  dos sonhos que não realizei, das esperanças perdidas? Como um cata vento desnorteado procuro as sombras de um lado, do outro busco a luz, mas não as reconheço como parte de mim.

Onde estão as cinzas do fogo apagado, a fumaça da chaminé desativada? Nada que houve deixou vestígios e sem marcas ou sinais é impossível continuar a jornada, pois o sentido do presente só faz sentido quando existe o embasamento do passado e a expectativa do futuro.

Sem passado o presente não é nada. Sem futuro o presente é vazio. Apenas um dia que se repete, indefinidamente, como se fosse o mesmo, sempre ...  Um dia sem ontem, um dia sem amanhã. Um dia sem referências, um dia sem esperanças. Um dia que desaparecerá sem deixar vestígios...