imagem/Carol Cavalaris



                            PULOVER PÚRPURA
         Memoriais de Sofia (Zocha)


                   ....na lã da infância/se guarda o eterno!

{Entre  pacotes de trigo, fubá, açúcar Diana, café Marumbi, latas de azeite Fanadol , Primor, pacotes de gordura vegetal, pedaços de sabão Amazonas,  latinha verde de margarina Saúde,com a estampa daquela menina de laçinho, lá estavam aqueles  com novelos de lã coloridos embrulhados em papel celofane .Que ansiedade!]

Com que expectativa ela vinha pela estrada ajudando a mãe a carregar as sacolas  da venda do seu Rufino, só na esperança daqueles novelos. Aprendera a tecer com Maria irmã de Edilia, a manca, dentuça e crente, as irmãs que moravam numa casebre, de chão de barro, na beira da linha do trem , na vila Lindóia e que tinham as panelas de alumínio areadas,mais brilhantes do mundo, dependuradas nas paredes naquele paneleiro em pé como um torre acesa.

  Maria trabalhava longe numa fábrica e tinha uma bicicleta Monark cor bordeaux, com rede de fios coloridos  na roda traseira. Como  Zocha ficava deslumbrada com aquela bicicleta!... Foi Maria quem a ensinou a trabalhar com as agulhas.  Mas, a mãe só comprou a quantidade certa de novelos para os pulovers que Zocha ia tecer, depois de haver tecido o  meu primeiro pulover, é claro...

E a artesã ficava feliz com  o primeiro emprego de tecelã,  já havia treinado muitas mantas, tecido kilometros de tripas em ponto meia que se esticavam que nem elástico e compunham um grande varal que podia agasalhar o bairro da Vila Guaíra inteiro.


E foi assim que a mãe confiando no tear da menina Zocha comprou aqueles  novelos de cor púrpura para ela  tecer a blusa  de Maruska polaca filha da dona Nuska  à qual a mãe devia muitas obrigações. Daí é que nasceu o primeiro pulôver.

Ela ia  construindo os tijolinhos, entre pontos meias e tricots palmo a palmo e o pulover nasceu. Como era lindo e cheiroso aquele pullover de lã barata, Zocha ficava orgulhosa porque havia tecido sozinha aquela peça, quer dizer, orientada por Maria, mas, ele era cheiroso como o  pão que a mãe amassava.

Que alegria poder tecer com as próprias mãos, construir com as mãos. E assim ficou de pé o pulôver cor de púrpura e a mãe de agora diante traria no meio das compras da venda do Rufino as lãs baratas para ela  tecer os pulovers para os irmãos. Jorginho de franjinha Curumim ganharia um  azul claro, , cor de girasol para a irmã Malu, branquinho para Luisa, há esse da Luisa um dia ela errou  e fez uma manga com tripa comprida e tive que desmanchar tudo...

 
  
 Que contentura habitava o coração daquela menina.. Um cheiro inesquecível de lã cai dos olhos desse sal do agora, mas as agulhas moendavam e o fio  serpenteava, saía da  linha que se abria desde a roca do porão daquele bangalô da rua Alagoas, o fio esticava e  subia depois pelas pipas, pulava  a janela do quarto dela ,que dava para a rua principal do bairro e  enlaçava os pontos de  tudo que acontecia por ali.

A dona Lair mãe da Soninha de cabelo vermelho, menina mimada, filha única,
sardenta igual a ela  era muito dengosa, a mãe fazia-lhe todos os mimos e Zocha só apanhava. Nossa!!como ela era bonita com seus vestidos de organza!

E Zocha gorducha com aqueles cabelos compridos demais que a mãe penteava todos os dias e fazia uma trançona com fita dependurada e mandava ir no armazém da polaca Vanda sem olhar para os lados.-  Vai buscar um pacote de banha! dizia franzindo o senho sempre de vaca brava!

Mas, qual,  no caminho  encontrava  Arlete Kikotte,
Irentcha gigante, uma polaca tipo garça....queriam  dar uma surra na trampa da Mafaldinha maldosa...

Deus, Zocha  não pode olhar para os lados...nem quando o polaco  Dirceu esticava  os olhos para ela 
  nos seus  quinze anos, lá na casa da rua Goiás e  falava  dependurado pelo  do lado de fora da  cerca de ripas:- Se um dia voce  não for minha, não será de mais ninguém! – Cruzes...que presente!!!Nunca Zocha foi  dele, e afinal foi  de quem? É de quem?

Zocha  é dessa  terra estranha que lhe tece,  das agulhas que  suturam-lhe  e lhe  nascem, dos espinhos que lhe  brotam, do desse pó grávido de sua terra do Paraná.
    Um dia  aconteceu ela   sangrar a alma com os fios da ilusão que tecia e não sabia que os novelos desse sangramento jamais estancariam....

 
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