SE ME TIVESSE RESTADO JUÍZO

Se me tivesse restado juízo, não permaneceria sequer mais por um instante nesta paisagem desolada, desértica, sem oásis possível oculto em algum lugar de suas entranhas. Não permaneceria nesta paisagem que me legaste, Amigo, com teu eterno silêncio; com tuas artimanhas de muitas das quais sequer posso acusar-te, pois inconsciente delas me pareces, logo delas inocente; com tuas negações de mim, no mundo a que pertences; com tuas acusações a mim, a mais grave delas sem corpo real, efetivo, mas na qual sempre creste do modo mais absoluto.

Eu, que não tenho mundo a que pertença, a que me sinta pertencer, embora plantada aqui a cumprir religiosamente e com denodo o único dever, sagrado dever que me ficou para com aquela que me trouxe "à luz" há tantos anos; eu, Amigo, se me tivesse restado algum juízo, não permaneceria mais por um único instante nesta paisagem-desértica-de-tudo, teu legado, a herança que de ti me coube, planeta inóspito em que habito, há anos-luz de mim, há anos-luz deste lugar herança de meu pai de carne, lugar onde passo os dias, onde os dias me passam a cuidar daquela que - Deus seja louvado - não tem como compreender a verdade funda e terrível de nada disso e passa os seus dias sem saber do meu não-habitar no seu mundo.

Zuleika dos Reis, na manhã de 27 de junho de 2010.