[Os Matadores - Tio Sinval]
Nas noites chuvosas, quando já havíamos
Feito o nosso simples jantar,
E quando o fogo seguia manso
Espalhando na cozinha uma agradável
Sensação de conforto, minha mãe narrava...
E o tio Sinval surgia assim,
Trazido pela fala macia de minha mãe,
Em meio à necessidade [ou ao costume]
De contar os passados da família.
Mas a figura de tio Sinval,
Talhada em cores místicas,
E colocada à nossa visão como autor
De crueldades contra aqueles
Que cruzavam os seus caminhos
[Os caminhos de tio Sinval eram sempre misteriosos],
Não nos metia medo.
Definitivamente, ele era um matador,
Mas era o nosso matador — não nos faria mal!
E era um matador muito simpático,
Tínhamos inveja dele até...
Inveja de quem pode se fazer de Deus
E punir os mal-feitos do mundo!
Uma noite sem lua... cavalo escondido
Atrás do paiol, ele espera...
Chega o desafeto da encomenda,
E já no apear do cavalo, leva um tiro só —
Tio Sinval raramente gasta dois —
Em seguida, um vulto inclina-se sobre o cadáver;
Mais uma orelha é cortada, furada
E enfiada no cordão junto com outras.
E depois, já distante dali, tio Sinval faz,
Lentamente, mais um entalhe no cabo da arma!
Minha mente voava longe
No instante desses detalhes...
Minha mãe fazia uma pausa
Para olhar nossos rostos,
E continuava... de outra vez...
Mas eu ainda estava imaginando,
Ele vindo sobre o cadáver ainda quente,
Abrindo o canivete e cortando
A orelha do morto...
E foi assim, de serviço em serviço,
Mas sempre sendo um bom homem,
Sujeito respeitador do alheio, homem de palavra,
Que o tio Sinval sumiu pros mundos de Goiás —
“E com dezoito orelhas no cordão” —
Reafirmava a minha mãe!
[Faz falta o meu tio Sinval...]