[A Semente sou Eu!]
Hoje, a janela, com seus quadros de silêncios, quase me salva, quase... se eu saltasse... mas qual salto, por que, para onde... que ironia! Como se o vazio não tivesse me invadido, desde cedo, naquelas manhãs de junho dos meus cinco anos!
Apenas sento-me próximo à janela, e contemplo a chuva que cai há horas... ai, em que triste moenda o meu coração transforma a chuva fria! Choro... as minhas lágrimas poderiam se misturar à chuva, e ainda assim não seriam bastantes para levar de mim essas mágoas imprecisas, finamente tecidas umas da outras, até que se perca algum nexo — tudo é cinza! Choro... e as minhas palavras não podem dizer tudo que me vai na mente...
[Tem havido sol claro, dia alvissareiro no mundo, tem? Não sei, não me lembro mais... tudo é cinza.]
Mas ao que me recordo, na Minas da minha infância, aconteciam dias claros, de azul infinito, aconteciam muros cobertos de flores, frondosas árvores frutíferas, o sino do padeiro nas tardes ensolaradas, e os ventos mensageiros para eu brincar com o saci. De onde vem o vento, eu perguntava...
E para a perdição do meu olhar, os voos altaneiros dos urubus viajadores, os enterros de pobre, levados a pulso Rua do Rosário acima, e as enxurradas portentosas a correr Avenida Minas Gerais abaixo.
[Mas havia sol em Minas... havia sim!]
... E o meu estupor diante da vasta terra molhada, como se ela me perguntasse: "e agora, Carlos, estou pronta... semeia-me?" Eu e a Terra, a vasta Terra que tragou meus antepassados, temos estranhos diálogos... semear, para quê, se logo virá o tempo de arrancar?
Ainda assim, ameaçado desde cedo, eu tive sonhos... semeei no ar os meus sonhos de um dia... e vim vindo, vindo... até dar nesse dia chuvoso — junho outra vez, mas numa quadra pior, bem pior, um passar do tempo, mas sem amanhã — agora, não há sol em Minas!
Sem ousar palavra, sento-me à janela desse tempo, e respondo por dentro: "Ah, maldita, devora-me, devora-me, Terra — estou pronto: a semente sou eu!"
[Penas do Desterro, 22 de junho de 2010]