[Sentidos Perdidos]
I - Estranhamentos
O estranhar da minha própria sombra... pois, a esta altura da vida, enquanto caminho, ela parece não mais coincidir com projeção mais e mais recurvada do meu corpo.
A atrofia, a perda progressiva da voz, causada, principalmente, pela clara noção de que todo discurso, além de incompleto, é inútil. Falar é um cansaço, uma ousadia, uma ofensa aos ouvidos alheios.
A sensação estultificante do poder da insinuação! Vale a pena o começo bem colocado de uma frase... e o resto deveria sempre ser deixado a esporear a ansiedade do outro.
A expectativa de que os demônios dos outros deveriam ser mais caprichosos... que, afinal, afligem pouco, e que a sua vergasta deveria ser aplicada com mais eficácia.
II - Perdições
Voltar, genericamente falando, é um ato que está se tornando cada vez mais absurdo, mais irritante... Daí, essa sensação idiota de que não vale a pena ir... para não ter de voltar! Estou desaprendendo o gosto de voltar - será morte chegando?
Sem rumos... sentidos perdidos... desorientação geral, sem buritis na paisagem: a sensaboria das coisas mais simples, como se o resfriado, agora, fosse para sempre.
Máquinas paradas, tudo desligado, banheiros entupidos, a chapa fria, o último café, já grosso, talhado no grande bule, e em todo o ambiente, esse cheiro de óleo frio a contar a história do fracasso do empreendimento dos homens. Mas ainda assim, eles se julgam eternos, e tentam, tentam sempre... para a maligna satisfação de um deus qualquer.
Perdições do mundo, perdições da vida — por que não aprendemos nada com as brancas ossadas ao sol?
[Penas do Desterro, 22 de junho de 2010]