gabriELA





     ...e a vida continua. Não a minha. Só, a tua. Com ti, nua. Pássaro convicto ou Victor Hugo no último dia de um condenado. À morte. Minhas asas azes ases. Tens a chave das algemas, tens o tango na voz, tens, ainda que, ainda, meu nome. Que mais mais quer? DIGA, MULHER!

     Bateu a porta, não foi embora, embora fosse boa. Horas? Ora, ora, cantemos. Aí levantei do sofá, só aí. Se ela chorava, não sei. Mas se, chorava e só. Só. Vesti a camiseta, preta, a porta dos fundos chamando, clave de eclipse, eu quis. Quando me vi, mercê dos urros noturnos, beigin, garota de cinco minutos, garoa. Circus Bar. No vinil, unhappy end, meu reflexo ginrava: schizofriend.
 
     Piscar, manhã: cigarros de menta, porção de polenta. O eu falando, os amigos da garota cinco babando. "Eram" rockers ou quase. Um se achava nazi. Neva Fritz sobre Awschwitz, dizia. Unwissend. Outro, filósofo, olhava torto, peixemorto, vinha doutras noites à vinho à viagens ao nada nada, idem sua amante, malcriada a fama, cadê a cadela?, bufava, ébria, buscando uma febre nos porquês. Por que porquês?

     ! Saco. Chamei a cinco num canto. Uns apertos, uns tantras, dali pra Dalí. Tudo parecia, exceto a memória, persistente, - Gabriela.

     5 . Melhor parar por aqui (pensei?). Ela começava a gostar. Ainda a vi pegando táxi, e dei-me conta de como ela parecia com Ela. Cabelos negros lisos na linha do queixo pele nuvem clara olhos céu boca fogo.

     À porta, inda ela. Se chorou, chorou e só. Nem telefonema.

     E eu aceitara umas aulas, numa quase escola. Preparava-as, instante, tipo transe Paulo Francis antes do antes. Gostavam do charlatão aqui. Recebendo merrecas, e aos poucos. A manha é fazer pensar, como dizia o Bonar, velho de guerra na guerra do ensino barato. Um casaco cinza, a voz um tom mais grave e os óculos falsos me envelheciam o suficiente. Eles me olhavam como não queriam. Últimaula: adeus farsante substituto. Mas comigo aprendiam, sobretudo, a aprender. Estou pagando! Zero. Vou te processar! Zero. Você sabe quem é meu pai? Zero. Quatro janelas depois, fui pegar a merreca e necas. Nada de cheque, o xeque sumiu, o sósia de Hitchcock, do pescoço pra baixo. Falido estaria. Dizem, Muniz, como o chamam, teria investido tudo em nada. O que sobrou, na mulher, ou em dúzias de plásticas nela. Desci as escadas do prédio encardido enlameado, chuvorroroso meiodia. Aguardava-me uma aluna, Maysa, a única que era única. Ofereceu-me um chocolate. Eu, um café. Queria que eu lesse uma carta que escrevera para o noivo, agora um ogro, falava, apesar dele lhe bancar a vida, mesmo longe, jogando futebol no exterior. Ela vinha do Rio, por isso o horror ao frio à frieza. Bebia o café, expresso, com delicadeza, à pas comptés, pernas cruzadas, escondendo sotaque. Tingia os cabelos de quase vermelho. Eu fingia ler a carta, - Gabriela. Então me pergunta: há quanto não dorme?

     Mas Maysa nunca ouvira Maysa. Partiu pro ataque. (Quase pedi um conhaque. (De gengibre.) ) Reclamou da solidão dão dão. Nunca um dindon flores na porta, estaria eu morta? Disdain. Tive um baque de araque, pôs fogo na carta. Meu primeiro Zippo. Quase queimou os dedos, mas retocou o batom e desligou o celular. E, antes que eu chamasse outro café, um vamos pra outro lugar, dito também com os olhos olhos ó. Eis: leoa. Sussurrou-me paixão, tirei o isqueiro de sua mão e o instante (seria clichê?) mar se fez.

     Mal acordei, já Jornal Nacional, ainda chuva. Minhas roupas secando numa, putz, numa sacada! Florido apartamento, jus à escultura ao meu lado. Pena ela ter pena de si. E o calhorda aqui dando corda. Gabriela!

     Por Odin! És obra de Rodin: butterfly tatuada nádega direita, fruto macio, e, dormindo é um sonho. Ou você pensa que sou Lóki? Incensado aroma, lembrei dos devaneios, da coragem de ter coragem de fazer o que desfaço, redesfaço, e calado. Calejado. Um disfarce: cadê a five? Incenso de quê? Procuro-o e vejo migalhas de coisas erradas e navalhas pelo carpê. Ah, Migdard! Ao mendigar os sentimentos: dois momentos: ela despertara no susto, e fiz que não vi o que vi. Já vestindo as encharcadas, ela inda nua, veio me abraçar: Stay. Sei, Quebra-Nozes vindo do apê vizinho, a chuva cessando, seu olhar de estou amando, corpo todo exalando perfume que só podia vir dalma. Mas, o mas. Lilith. Que dia é hoje? Segunda! Minha mãe é cardiopata, não tem telefone, já rezou trezentos terços! O anjo num ombro dizendo quanta cachorrice. Noutro, uma horda festejando. E ela não se vestiu, (putz, um frigobar no quarto!) me deu uma cerveja e chamou comida chinesa. Pela janela, Tchaikovski, ou o Rei dos Ratos, luz nos fatos: devaneios, os mesmos. Tchau. Contudo, Maysa me kiss agendar pra quinta, depende da poeira, eu disse. Sorriu olhar, afrodite se quiser. Cadê o elevador? Eu estava no quinto andar, bairro Champagnat. Minha cabeça: à prêmio. E o vento, velho boêmio, proclamando outrepitáfio.

     Cachorrice? Peitogato, sete vidas.

     A mãe, graçasadeus! está vivo, quis dizer, e já foi esquentando a janta. Acendeu vela pra santa. Jantei, foi deitar. Silêncio fez solo, lembrei de seu colo e de como a casa de antes tornara-se outro lugar. Quando se comprava fiado (senha para remembrâncias). Aquilo é que era tempo!

     Não amanhece antes do meu chimarrão. Numa volta pela vila, chaleira já quase fria, vi o Dolao e o Aldão, correria, atrás da neve de doidão, empurravam uma bicicleta, parecia nova, recém roubada, deizão leva, naumuitobrigado. Mais tarde, à linha do trem, as veias abertas da América Latrina. Sol de rachar o sol e o chão há pouco poças. Minha (ou) nossa: - Gabriela! E o mundo se converteu aperto rasgado engolindo seco.

     Ela!
     Ela.
     Ela...




 
Continua (?) na próxima edição.






10/11/1998
Lucas de Meira
Enviado por Lucas de Meira em 18/06/2010
Reeditado em 16/07/2016
Código do texto: T2326372
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