[A Cada Sabor, um Lugar, um Tempo]
O sabor de um dentifrício [alguém ainda se lembra desta palavra...] quase seco que estava no fundo xadrez de uma velha mala de fibra, daquelas que têm cantoneiras metálicas cromadas — descoberto
e experimentado ali, no quarto do meu tio viajador;
O sabor indescritível da última laranja "joão nunes" do pé de laranja que já tem mais de dois terços da copa apodrecida, de tão velho e que morria ali, próximo da cancela do chiqueiro;
O sabor e o aroma do chá de alfavacão derramado na gema de ovo batida com mel, mas bebido no recosto confortável de uma cama-patente;
O sabor da fruta viajada, extraída, com cuidado, da minha lancheira de couro, no meio do imenso pátio da escola;
O sabor das mangabas vindas de cerrados distantes, e experimentadas ainda na banca da feira de toda quarta-feira;
O sabor do café da manhã, servido naquela mesa com toalha branca, naquela varanda aonde nunca mais vou por os pés;
Sim... a lista de sabores é infinita, infinita! A cada sabor, um lugar, um tempo marcando uma circunstância feliz — é simples assim!
E fico com duas possibilidades fanadas já de saída: voltar ao sabor, pela circunstância, ou voltar à circunstância pelo sabor... Nem cá, nem lá — só resta a saudade de coisas impossíveis, perdidas no tempo!
Está aí, a trivial razão de certos sabores, certos cheiros, ou então certos lugares, serem capaz de "transportes" no espaço-tempo!
Aonde vou parar com este meu gosto para falar sobre o Óbvio de todo o mundo?
[Penas do Desterro, 15 de junho de 2010]