[As Flores na Velha Ponte]
Boca da noite... Caminho a esmo até chegar àquela velha ponte de assoalho já apodrecido. Ao longo da extensão da ponte, duas pistas de tábuas de madeira sobre grossas vigas — é o que está disponível aos veículos, carroças, carros, caminhões, cavalos e burros viajadores.
Olho as águas, olho... e dirijo-me para o centro da ponte. Ao chegar ali, dou com um belo ramalhete de flores caído na lateral da ponte — mas não havia ninguém à vista, nem numa margem, nem na outra — ninguém!
Lá embaixo, as águas correm, correm, e correm... parecem exercer uma atração — seria um impulso fatal de saltar sobre a guarda da ponte, como aquele impulso que uma arma carregada exerce sobre a gente?
E agora, maldição, agora isto! Por que estas flores caídas na ponte,
a esta hora da tarde... mil coisas penso: alguém... uma partida, a desistência de tudo, o desamor, a morte... onde — nas águas?
Tenho esta implicação com as coisas que me atingem —
por que eu? Por que diabos, as pessoas, o mundo hão de me escancarar visões assim, como a destas flores cujas pétalas o vento agita... num adeus?
O mundo não me poupa, e as pessoas, se me poupam, eu as amaldiçoo até... O melhor é nada, nada mesmo, nem existir — existir está em excesso, faz mal à saúde... Está... e também, não está!
Ao certo, nada sei...
Agora, enquanto eu viver, nada me apagará da mente a visão
deste maldito — sim, maldito, maldito sim! — ramalhete de flores!
Por que não passou alguém antes de mim e o atirou às águas? Quem sabe se, na corredeira, elas cantariam com as águas a mensagem que ocultam de mim...
[Penas do Desterro, 15 de junho de 2010]