pintura/Jacek Yerka

                   OLHOS DE TEMPOS

         (Memoriais de Sofia (Zocha)
    (ouvindo The Boxer  c/ Simon e Garfunkel, lembra?)



Ela  levantava cansada com seus olhos de tempos e ia para a horta plantar réquiens. Sempre com fome de claridades. Havia uma escuridão intermitente entre as frestas de suas janelas, então, ela abria as cortinas o mais que podia, clareava um pouco, só um pouco, porque as vidraças eram embaçadas, mas o suficiente para ela ligar a boca do gás e esperar a chaleira ferver. O pão de ontem sempre na mesma cestinha de vime, os pés se arrastando pesados,  a bunda imensa sempre atraindo atenções, mas o pão seco com margarina e café preto eram suficientes. Eu preferiria café com leite. Agora, escolhia  um dos poemas do sobretudo e todos eles tinham nome, passava o mesmo baton vermelho, retocava os cabelos lisos, sempre impecáveis, olhava-se no espelho, as pernas grossas, a cintura fina...quem a visse  pela rua XV de Novembro não diria que ela era  uma carente coroa de flores plantadora de réquiens...amante insaciável, devoradora contumaz...Os seus grandes olhos escuros e mortos devoravam o mundo...




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