A QUASE MORTE DO AMOR
Parei de amar para não matar o amor
Deixei um algodão doce sob o mármore da cozinha
Para que sentisses a minha partida como a um parque de domingo
Não fiz as malas. Não levei as coisas que eram minhas. Parti quieta
Quase como quem enlouquece no meio da noite e de si mesmo.
Não quis estragar o teu sorriso lindo com um quê estranho de espanto.
Toquei-te suavemente evitando que acordaste
Não quis que me visses dar as costas
Porque não era o pretendido.
Sinto ainda teus dentes alvos arrancando pedaços do meu corpo
E o teu jeito sereno de pedir carinho em meio ao pranto.
Parei de amar o amor que estava adoecendo
O amor que uma vez parou na porta do quarto
O amor que não chegamos a fazer.
Parei de amar o amor que levei embora e que guardo em mim
Como a um anjo desesperado com asas arrancadas sem prévio aviso.
Ao parar de amar o amor, parei de fingir não amar-te
E colei o amor casto, intocado, numa das estantes do meu ser sem sentido
E, assim, matando o amor que tanto amo,
Perdi o senso do que poderia amar além do amor quase morto.