FOGO... TERRA... AR... ÁGUA... MADEIRA... METAL...

Lembro das noites em que o único ato possível da vida era mergulhar em ti e eras a água em que tudo se dissolvia sem deixar vestígio nem memória.

Lembro das noites em que o único ato possível da vida era voar em ti e eras o ar em que tudo se dispersava sem deixar vestígio nem memória.

Lembro das noites em que o único ato possível da vida era aterrissar em ti e eras a estrela em que tudo se entranhava sem deixar vestígio nem memória.

Lembro das noites em que o único ato possível da vida era carbonizar-me em ti e tudo se consumia sem deixar vestígio nem memória.

Lembro também dos dias em que o único ato possível da vida era suplicar ao fogo, à terra, ao ar, à água que me decifrassem os enigmas vindos nas respostas enviadas por ti, respostas a imprimirem vestígios na água, no ar, na terra, no fogo.

Lembro que nenhum dos elementos respondia-me às súplicas e que todas as respostas que não vinham eram o único ato possível da vida.

Lembro que, para suprir-me no vácuo, eu fabricava respostas de fogo, de água, de ar, de terra. Se a resposta era de ar para uma pergunta de ar, um vendaval. Assim fabriquei maremotos que invadiam as cidades de dentro.

Lembro que as respostas de ar expandiam as perguntas de fogo, as respostas de água fertilizavam as perguntas de terra, assim como as respostas de terra guerreavam com as respostas de ar, tanto quanto as respostas de água apagavam as perguntas de fogo.

E assim lutei com os elementos, dia após dia, e me dei aos elementos, noite após noite; com teu ser dentro de mim todo o tempo, esperei por teu ser cada segundo.

Eram apenas quatro os elementos: o ar, o fogo, a terra, a água. O mundo era natural e terrível.

Certo dia, chegaram a madeira e o metal, trazendo suas próprias respostas. E o mundo civilizou-se.

E foram surgindo utensílios: jarras, quadros, esculturas, adagas, instrumentos ancestrais, palavras do milênio a vir.

Lembro das noites em que mergulhar em ti, voar em ti, aterrissar em ti, carbonizar-me em ti já não eram mais os únicos atos possíveis da vida, porque o metal e a madeira trouxeram novas necessidades e atos possíveis.

Quando o soubeste, desataste sobre mim ciclones, vulcões, tempestades, terremotos. Tentei amainar a fúria dos elementos, com minha palavra de paz, mas te tornaste um Deus impiedoso demais. E o mundo virou destroços, cinza, lama, cegueira.

Por fim, esgotaste o teu furor. Veio o silêncio dos elementos. O mundo permanecia inabitável.

Lembro quando me vi só, os lábios selados, as mãos ermas, os pés sem passo, os olhos sem paisagem. Só, com teu silêncio terrível.

Apesar de tudo, urgia refazer o mundo, com a madeira e o metal. E comecei a fabricar, ainda com minhas mãos de movimentos perdidos, os primeiros toscos objetos, observando os gestos do Senhor dos novos elementos.

As mãos do Demiurgo. Seus objetos belos, às vezes implacáveis na sua imparcialidade de objetos. As noites e os dias foram se povoando de trabalho.

Mas o teu silêncio, dia e noite, em todos os lugares.

As mãos do Demiurgo. O metal e a madeira. As formas civilizadoras. O corpo metamórfico no meu. No meio das noites, entre os dois corpos, a lembrança-presença do outro Deus.

O teu silêncio, sempre amordaçando minha boca, no quarto do hotel.