quando se comprava fiado
Zezinho jogava bola. Do portão, Dona Lina gritou que entrasse. Ele calçou os chinelos, já dando tchau pra piazada. Limpou os pés no tapetinho, foi entrando, a mãe largou a louça e enxugou as mãos, balbuciando:
- Vai buscar mistura pra janta!
- Aaahhh...
- Nem um a, - disse Dona Lina, ameaçando surra com as mãos.
Correu. Não era longe a mercearia do Daniel, mas àquela hora, anoitecente, os ébrios se pondo pra dentro dos botecos, não era diferente lá. Até o próprio Daniel lançava uns martelinhos goela abaixo.
Entrou no meio da bebarada, olhando um velhinho, de pescoço furado, fumando. Foi quando o Daniel perguntou:
- Que você quer, piá?
Aí o garoto vislumbrou a lingüiçarada pendurada no teto e as moscas que as circundavam. Pensando, tem um plástico as protegendo, pediu, convicto:
- Um e cinqüenta daquela ali, - apontando para uma bem escura de tão rubra.
O comerciante puxou uma velha peixeira do balcão, muito usada na defesa pessoal, e foi logo cortando o barbante do produto que acabou caindo no chão.
- Não foi nada, - conseguiu dizer um homem, afogado no guaco, ou mentruz.
Zezinho nem ligou. Ficou olhando a lingüiça sendo pesada numa balança vermelha, Filizola. Seus olhos seguiram a agulha até a marca de 500 gramas. Em seguida, o embrulho, num papel cor-de-rosa, puxado de um rolo da parede. Então o Daniel guardou a faca e pegou um caderno velho, lambendo os dedos para ir virando as folhas, detalhe que o menino sempre reparava, além da caneta em cima da orelha. Certa vez, uma caneta dessas estourou e os cabelos dele azularam.
- Na conta do pai ou na conta da mãe?
- Na conta do pai, - respondeu, Zezinho, com firmeza.
E lá estavam anotados: 1 cigarro solto, ½ pinga, 1 doce de amendoim, 1 Caracu, 2 chicletes. O Daniel foi logo emendando ½kg de lingüiça seca.
- Brigado.
- De nada.
Zezinho foi saindo da mercearia com certa dificuldade, muitos viralatas, bicicletas e carrinhos de mão se acumulavam na frente do estabelecimento. Mas o pior era agüentar os bebuns dizendo te peguei no colo, eu e teu pai se criêmo junto, quero bem ocê e tua famía... Então ganhou uma bala sete de um pinguço barbado e saiu correndo. Tanto, que caiu no meio da rua, fazendo voar a mistura da janta. Mas a pegou, limpou a poeira, os joelhos ralados, e logo voltou a correr, sempre pensando: tem um papel e um plástico protegendo...
Zezinho jogava bola. Do portão, Dona Lina gritou que entrasse. Ele calçou os chinelos, já dando tchau pra piazada. Limpou os pés no tapetinho, foi entrando, a mãe largou a louça e enxugou as mãos, balbuciando:
- Vai buscar mistura pra janta!
- Aaahhh...
- Nem um a, - disse Dona Lina, ameaçando surra com as mãos.
Correu. Não era longe a mercearia do Daniel, mas àquela hora, anoitecente, os ébrios se pondo pra dentro dos botecos, não era diferente lá. Até o próprio Daniel lançava uns martelinhos goela abaixo.
Entrou no meio da bebarada, olhando um velhinho, de pescoço furado, fumando. Foi quando o Daniel perguntou:
- Que você quer, piá?
Aí o garoto vislumbrou a lingüiçarada pendurada no teto e as moscas que as circundavam. Pensando, tem um plástico as protegendo, pediu, convicto:
- Um e cinqüenta daquela ali, - apontando para uma bem escura de tão rubra.
O comerciante puxou uma velha peixeira do balcão, muito usada na defesa pessoal, e foi logo cortando o barbante do produto que acabou caindo no chão.
- Não foi nada, - conseguiu dizer um homem, afogado no guaco, ou mentruz.
Zezinho nem ligou. Ficou olhando a lingüiça sendo pesada numa balança vermelha, Filizola. Seus olhos seguiram a agulha até a marca de 500 gramas. Em seguida, o embrulho, num papel cor-de-rosa, puxado de um rolo da parede. Então o Daniel guardou a faca e pegou um caderno velho, lambendo os dedos para ir virando as folhas, detalhe que o menino sempre reparava, além da caneta em cima da orelha. Certa vez, uma caneta dessas estourou e os cabelos dele azularam.
- Na conta do pai ou na conta da mãe?
- Na conta do pai, - respondeu, Zezinho, com firmeza.
E lá estavam anotados: 1 cigarro solto, ½ pinga, 1 doce de amendoim, 1 Caracu, 2 chicletes. O Daniel foi logo emendando ½kg de lingüiça seca.
- Brigado.
- De nada.
Zezinho foi saindo da mercearia com certa dificuldade, muitos viralatas, bicicletas e carrinhos de mão se acumulavam na frente do estabelecimento. Mas o pior era agüentar os bebuns dizendo te peguei no colo, eu e teu pai se criêmo junto, quero bem ocê e tua famía... Então ganhou uma bala sete de um pinguço barbado e saiu correndo. Tanto, que caiu no meio da rua, fazendo voar a mistura da janta. Mas a pegou, limpou a poeira, os joelhos ralados, e logo voltou a correr, sempre pensando: tem um papel e um plástico protegendo...
5/10/1997