QUANDO O SORRISO CHORA...

Estava acabado. Ela sorriu tristemente. Dos seus olhos marejados uma ponta de saudade passou a espelhá-los. Naquele instante, como autenticando o seu pensamento, ela balançou a cabeça afirmativamente, como quem já soubesse do seu destino, antecipadamente. “Já sabia”, conseguiu dizer, sem revelar a dor que lhe corroía a alma. Porém, em nenhum momento sentiu raiva ou deixou de experimentar o carinho que sempre sentira por ele, mesmo estando mortalmente ferida pelas palavras proferidas, com amabilidade, em tom de um adeus. Ela sabia que um dia isso aconteceria – mais cedo ou mais tarde. Talvez tivesse chegado, para os dois, no período certo: no momento em que ambos chegaram ao ápice de uma relação sentimental, sem desgastá-la com frivolidades ou quimeras alheias. De repente, deixou-se cair na cama, de costas para o colchão. Seus olhos buscaram o espelho fixado no teto do quarto e que refletia o seu corpo sem invólucro, desenhado na mais fiel pintura que o desejo e o prazer puderam esculpir. Seu olhar passeou pelos contornos da imagem projetada no espelho e que, aos poucos, feito túnel do tempo, foi dando lugar às lembranças do seu passado recente. Eram flashes rápidos, mas que provocavam êxtases em cada detalhe, já que as lembranças consistiam, todas, de belos recortes vividos. Seu corpo estremecia a cada quadro apresentado e, de sua linda boca – que queimava de prazer –, saíam suspiros resignados de aspirações. Na película de sua paixão, o início de um amor eterno. O começo. O toque. O experimentar. Tinha sido mágico. Nunca duvidara do que sentia. Eram feitos – ele e ela – almas gêmeas, corpos entrelaçados pela chama da paixão. Desfrutaram cada minuto juntos. Deram-se. Sonharam os sonhos realizáveis e fantasiaram o que não podiam viver. Uniram o tempo que lhes faltava com a necessidade premente de seus corpos. Essa mistura provocara uma química simples, mas eficaz, no relacionamento. Fizeram loucuras maravilhosas e experimentaram néctares inesquecíveis, sem jamais se esquecerem do respeito que sempre se fez presente na relação. Sorriu. Lembrou-se que o sorriso, naquele instante, vinha acompanhado – mesmo que ele não percebesse –, de uma lágrima invisível que, distraidamente, descia pelos cantos dos seus olhos e marcava o lençol branco de cetim. Interrogou-se, reflexivamente: “Por que o sorriso chora?” Talvez o sorriso chorasse, disse para si mesma, porque ele sentisse que, mesmo chorando, esse choro era de felicidade. Era o choro de quem tinha vivido o melhor que o amor pôde proporcionar e desfrutado daquilo que se chamava de admirável. Por isso, ele, o sorriso, chorava. Diferentemente de outros choros, ele não chorava de melancolia. Não. Ele chorava para agradecer o que vivera, o que sentira e o que desfrutara. Instintivamente, ela tocou sua mão. Ele correspondeu ao aperto e se deixou ficar, ali, feito porto seguro, sem amarras, dono apenas do sentimento e da vontade de querer continuar protegendo a quem queria bem. Assim como o olhar dela, o seu também vislumbrava aquela silhueta delineada que, feito lei da física, repartia aquele espaço, ora produzindo pequenas frases de agradecimentos, ora deixando-se levar pelo mais absoluto silêncio de lembrança. Tivera sorte por ter encontrado alguém tão especial, tão significativa na sua vida. Com ela dividira os melhores momentos, amara sem culpa, dera-se sem reservas. Sabia que estava ao lado de uma mulher difícil de ser esquecida, mesmo que as circunstâncias levassem a isso. Era muito mais fácil lembrar-se, disso não tinha a menor dúvida. Sorriu enquanto olhava a sua figura através do cristal. Ela estava de olhos fechados. Talvez estivesse se lembrando de tudo que viveram. Com certeza estava. Tinha sido difícil e muito doloroso chegar até aquele ponto. Uma despedida nunca era simples. Tivera sorte: aquela mulher era um ser ímpar, distinto das demais. Compreendera. Não se revoltara. Apenas disse-lhe: "eu já sabia". Ele também sabia. E dissera antes. Prevenira-a. Mas, no final, estava tudo bem. Não perdera o seu amor. Nem ela perdera o dele. Eram adultos que sabiam que, acima de tudo, o bem-estar de cada um deles devia ser respeitado. E o melhor para cada um, naquele momento, era o adeus. De corpos. Não de almas. Assim, sem querer ficar olhando o tempo passar, também fechou os olhos e sentiu, ainda pegado na mão dela, a energia boa de quem só sabia fazer o bem. Ali, naquele instante, o seu sorriso igualmente chorou...





Obs. Imagem da internet (Mona Lisa de Leonardo Da Vinci)


Raimundo Antonio de Souza Lopes
Enviado por Raimundo Antonio de Souza Lopes em 30/05/2010
Reeditado em 30/05/2011
Código do texto: T2288775
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