Banquete de urubú.
Enquanto todos cantavam, ou ao menos tentavam, eu pensava em toda a decadência de uma vida inteira e em como é curto o passado de um homem de minha idade. A infância, a juventude, a velhice precoce... Fiz tantas coisas em tão pouco tempo. Tive tão pouco tempo...
Cada um dos meus dias importantes transformei em pílulas. Engoli todos eles como se fossem minha cura. Eram minha única esperança de que a dor cessasse. Desceram tão rápido... Vivi aquilo tudo muito mais rápido do que imaginavam. E não viveria tudo de novo... Não viverei tudo de novo.
Destilei o vinho em minha boca. Esperava mais dEle. Suas palavras vinham como a ressaca atinge as docas. Explodiam em meus ouvidos todas aquelas futilidades dos indefesos. Eram os eu-te-amos mais vazios que já tivera a oportunidade de duvidar. A imagem de que o corpo que seria estirado sob uma mesa, como um banquete de urubu, seria o meu mesmo, não me saía dos olhos, não saía do caminho.
Cambaleante consegui ver todos aqueles bêbados ao meu redor como se fossem hienas. Eles riam. Festejavam meu novo feito. Eu apenas me despedia. Ninguém podia entender que aquele deveria ter sido um momento fúnebre. Um rapaz passou por mim clamando por cuidados urgentes na cozinha. O fogo ardia. Eu ardia.
O cheiro de alho me trouxe a consciência da fome. Corri para casa e procurei pelo último dente de alho, para o qual não havia utilidade alguma além de espantar os maus espíritos. Antes mesmo que pudesse pensar em algo interessante para solenemente dizer durante aquele que seria um dos meus últimos momentos, cravei-lhe os dentes tal como o condenado mordisca a amarga colherada final.
Não sei se foi o alho, não sei se foi o sangue. As entranhas ferveram. O corpo esmoreceu. O sangue veio em golfadas temperadas. Acre foi aquele gosto de vida.